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A Deusa da corrupção

A prisão de Collor agora ocorrida, nesse contexto, é quase uma ironia. Vemos (quase) todos os condenados, agora em em cargos públicos.

Por JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHOjp@jpc.com.br Publicado em 01/05/2025 às 10:02

Vyshareth era deusa da corrupção, da crueldade, da decadência e da morte. Descrita, nos livros de mitologia, como "astuta, cruel, maliciosa, misteriosa, odiosa, rancorosa". Mas não é dela que se falará, por aqui.

 O título da coluna se inspira no ministro do STJ (que por muitos anos fez parte de nosso TRF da 5ª Região, onde foi Presidente), Marcelo Navarro Ribeiro Dantas. Vi foto de uma placa, em praia do Rio Grande do Norte, e perguntei se seria aquela na qual está sua casa. Dizia

BAR CÚ DO MUNDO.

Ele reagiu como um poeta

Se fosse na minha praia (Pirangi), deveria ser BARCO DO MUNDO.

Usando o sistema do ministro, para definir este pequeno artigo, teríamos então como título certo aquele pelo qual os cidadãos de bem deste país tanto anseiam, ainda,

ADEUS À CORRUPÇÃO.

Durante algum tempo até pareceu que andávamos no caminho certo, com a Lavajato. Questão central, mais que problemas formais como foro mais (ou menos) adequado, é que sobretudo incomodava muitíssima gente. O Poder Econômico, com as maiores empreiteiras e grandes grupos empresariais do país. A Classe Política, com parlamentares em risco, muitos deles presos. Dirigentes partidários, quase todos já condenados. Até ministros do Supremo que recebiam propina, como "O amigo do amigo de meu pai" todos sabem quem é. Seria necessário acabar com essa tentativa de moralização, e logo, quem essa Força-Tarefa pensa que é? O Brasil precisava, na visão utilitária desses, voltar a ser o que sempre foi, um paraíso da corrupção. E dos corruptos. E assim se deu, ao fim. Pena.

A prisão de Collor agora ocorrida, nesse contexto, é quase uma ironia. Vemos (quase) todos os condenados, processados ou envolvidos naquelas práticas eticamente deploráveis, em cargos públicos. No centro do poder. Um deles, mesmo condenado a 400 anos, passeia em Copacabana, faz selfies, dá entrevistas às televisões e já diz que será candidato no próximo ano (2006). Com a convicção íntima de que jamais voltará às cadeias. Só Collor (e Renato Duque, dois num mundo), em cana. É injusto. Ou todos os corruptos na cadeia, ou todos na farra, diria se vivo estivesse o amigo Millôr.

Um sistema como o nosso, onde o mau exemplo vem de cima, tem consequências deploráveis. Essa roubalheira do INSS por exemplo, hoje nas páginas de todos os jornais, aconteceu somente porque os beneficiários acreditavam permanecer impunes. A começar pelo próprio ministro. Em divertida charge de J. Caesar, um cidadão pergunta " Roubaram os aposentados no INSS, como os ladrões chegaram lá?". E outro responde " Foram nomeados". É isso. Com os precedentes espraiando suas consequências. Dizem os jornais que até um irmão do presidente da República é chefe de uma das instituições beneficiadas. E não acontece nada com ele?, cabe perguntar. O sangue vale como proteção? Só vão para cadeia os peixes pequenos?

Nesse passo, bom lembrar o Sermão do Bom Ladrão proferido, em 1655, pelo padre António Vieira. Na Igreja da Misericórdia (Conceição Velha, Lisboa), perante D. João IV e sua corte. Palavras suas: "O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Uns furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam".

Até coisas simples parecem não incomodar os poderosos. Um ministro do Supremo vai num avião da FAB ver, em São Paulo, um jogo do Corinthians. Depois volta, naquele avião enorme com um só passageiro, em viagem não republicana. Tudo custeado pelo povo brasileiro. E não vê nisso nada demais? Todos sabem que está errado, só ele não. Ele e seus colegas do Supremo. Quem pode, pode, no íntimo diz (dizem). Já se preparando para viajar, de novo, no próximo jogo. E tudo protegido por sigilo de 5 anos decretado pelo Presidente da República, sem razão decente para determinar tal sigilo.

É constrangedor ver corruptos de outros países, como o Peru, sendo condenados e presos por conta da mesma roubalheira da Odebrecht que aqui já não incomoda os poderosos. E a reação do governo é risível. Concede asilo a uma condenada de lá e a traz para sua nova casa em avião da FAB, tudo pago com recursos do povo brasileiro. Por solidariedade humana?, como dizem. Ou porque ameaçou abrir o bico e contar quem ajudou na operação, em nosso país?, segundo alguns jornais. Eis a questão. Nunca se saberá, com certeza.

Em resumo, ainda sonho com o dia em que o Brasil vai virar um país mais limpo, mais correto, mais honesto que o de hoje? Será pedir demais?, amigo leitor. E já que de Vieira falei, nesse texto, encerro com ele no mesmo Sermão: "Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis". Ao menos isso.

 

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

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