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O BRICS e o realinhamento global

Evitando entrar na guerra tributária, o Brasil precisa investir em inovação e capacitação profissional para melhorar a competitividade....

Por SÉRGIO C. BUARQUE Publicado em 30/04/2025 às 0:00 | Atualizado em 30/04/2025 às 14:33

Na reunião dos ministros de relações exteriores, que se realiza esses dias no Rio de Janeiro, o BRICS pode fazer a festa, soltar fogos e estourar champanhe para comemorar a perspectiva do grupo e para expressar os agradecimentos ao presidente Donald Trump, dos Estados Unidos. Um aglomerado tão heterogêneo e desigual está recebendo um impulso do presidente norte-americano. Sim, porque, sem pedir nada em troca, Trump está oferecendo uma grande oportunidade ao agrupamento do BRICS. Trump está demonstrando, nesses cem dias de governo errático, uma completa ausência de visão estratégica, um imediatismo primário e a total ignorância da complexidade das relações econômicas e comerciais da globalização. Quando ele move a metralhadora giratória do tarifaço para todos os lados, amigos e inimigos, está alimentando os planos de fortalecimento do BRICS, atraindo mais membros, formando acordos comerciais, reforçando o New Development Bank e viabilizando a formação de um novo meio de troca e de reservas para se distanciar do padrão dólar. No meio da desorganização do sistema econômico global provocada por Trump, o bloco formado pelo BRICS, liderado pela China, pode constituir uma âncora de atração de países do mundo inteiro em busca de mercado, financiamento e estabilidade econômica.

Como a China é o mais importante país do BRICS, a estupidez de Trump está ajudando na formação de um grande e sólido grupo de países em torno de Beijing, que já vinha avançando rapidamente com os investimentos e as alianças construídas pela Nova Rota da Seda. A China é a segunda maior economia do mundo - equivale a pouco mais de 60% do PIB dos Estados Unidos - mas já lidera as exportações de bens e serviços e conta com a mais ampla rede de parceiros comerciais no mundo.

A crise de confiança nos Estados Unidos gerada pelo voluntarismo do seu presidente pode desestabilizar a economia mundial, fragilizando a moeda norte-americana e já está provocando desvalorização dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, até recentemente, o ativo financeiro mais seguro. Portanto, abre-se um enorme espaço de oportunidades para a ampliação da influência chinesa na economia mundial, incluindo países asiáticos que são tradicionais aliados de Washington, como Japão e Coreia do Sul, com os quais Xi Jinping retomou negociações diplomáticas. O agrupamento de países que compõe o BRICS é um contraponto à liderança econômica e política dos Estados Unidos, que Trump está jogando pelo ralo. Os cinco países originais do BRICS - China, Índia, Brasil, Rússia e África do Sul - têm um PIB total de 26 trilhões de dólares, ainda um pouco abaixo do PIB dos Estados Unidos, com quase 28 trilhões de dólares (o PIB dos onze países do BRICS chega perto de 30 trilhões).

Enquanto Trump provoca instabilidade e incerteza na economia de mercado, ameaçando a integração econômica e comercial do planeta e desorganizando as cadeias globais de valor, Xi Jinping, secretário geral do Partido Comunista da China, sai em defesa das regras econômicas e comerciais da globalização. Ironicamente, os comunistas chineses aparecem como os defensores do capitalismo ameaçado pela estupidez do mega capitalista e sua desastrada e destrutiva guerra tarifária. Na sua obsessão nacionalista e protecionista, Trump ignora que a globalização, com a intensa integração da economia mundial, é o estágio mais avançado do capitalismo, que viabilizou o ciclo de expansão recente, beneficiando especialmente os Estados Unidos. Xi Jinping, ao contrário, sabe que o desenvolvimento da China das últimas cinco décadas foi possível apenas porque o país se incorporou à OMC-Organização Mundial do Comércio e intensificou as relações comerciais em larga escala.

Como membro destacado do BRICS (atual presidente do bloco), o Brasil deve ser arrastado por esta nova configuração geopolítica, fortalecimento do bloco liderado pela China, declínio dos Estados Unidos e orfandade da Europa. Até recentemente, o governo brasileiro vinha se atrelando à liderança chinesa e adotando posições ambíguas em relação aos Estados Unidos, o segundo maior parceiro comercial. Agora, mesmo que Trump tenha moderado as tarifas às exportações brasileiras, o Brasil está sendo empurrado para o grande aglomerado mundial liderado pela China.

Entretanto, a recente visita do presidente Lula da Silva ao Japão parece indicar uma reorientação diplomática do Brasil buscando recuperar antigas alianças comerciais por fora da polarização Estados Unidos-China. O Japão, vale lembrar, é quarta maior economia do mundo (a segunda maior economia da Ásia) e o Brasil tem relações culturais históricas com o povo japonês, tendo a maior comunidade japonesa fora do Japão. Diante das incertezas futuras, o governo brasileiro está certo quando diversifica os acordos e laços comerciais com diferentes países do planeta, mesmo consolidando as relações com o BRICS e com a China. Evitando entrar na guerra tributária, até porque a economia brasileira ainda é muito protegida, o Brasil precisa investir fortemente em inovação e capacitação profissional para melhorar a competitividade e aumentar a produtividade da indústria brasileira de modo a reestruturar a pauta de exportações com bens e serviços de alto valor agregado. Somente assim, o Brasil estará preparado para os desafios do futuro.

Sérgio C. Buarque, economista

 

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