Uma geração ansiosa
Se nossas crianças vão para a rua acompanhadas, o mesmo deve acontecer com o uso da internet. Elas estão o correndo perigo...............

No último domingo de Páscoa, fui à missa na igreja dos Capuchinhos, bem cedinho, às 6h da manhã. Não estou aguentando o calor, por isso, como boa madrugadora, prefiro participar da missa logo após o raiar do dia. Depois, fomos tomar café da manhã numa ótima padaria aqui de Boa Viagem, cujo único problema é a falta de bancos. É... Come-se em pé, mas ainda assim compensa pelo sabor.
Lá encontrei um grupo de amigos que não via há algum tempo e conversamos um pouco. Um deles me dizia que tinha recebido o telefonema de outro amigo, também conhecido, convidando para almoçar na casa dele. E disse: - Vou de jeito nenhum! Da última vez que estive lá foram doze horas bebendo. Não aguento mais. Passo dias doente. Eis as palavras de um sessentão verdadeiro, negando fogo. Eu respondi: - Se aperreia não, você aproveitou bem! Ao que ele aquiesceu.
A filha jovem estava com ele à mesa, como também o meu filho. Ele, dono de restaurante, observou: _ Os jovens de hoje não bebem mais. No máximo um drink. Nada como a minha geração que colocava um litro de whisky na mesa. Nem bebem, nem fumam. Em compensação, ele falou apontando para o celular, estão todos doentes da cabeça. Soube que rivotril está faltando nas farmácias da cidade.
Ele se referia à geração ansiosa, formada por crianças e jovens hiperconectados, o que está causando uma epidemia de transtornos mentais no Brasil e no mundo. Esse termo, geração ansiosa, foi cunhado por Jonathan Haidt, autor do best-seller com esse mesmo nome.
Em seu livro, o autor, que é doutor em psicologia social e professor na Stern School of Business da Universidade de Nova York discute temas relacionados ao declínio da infância baseada no brincar e à ascensão da infância baseada no celular, apontando os quatro prejuízos fundamentais que provocam um aumento repentino do sofrimento dos indivíduos: privação social, privação de sono, atenção fragmentada e vício. O livro é interessante porque aponta, também, uma série de ações coletivas que os governos, as empresas de tecnologia, as escolas e os pais podem fazer agora, para trazer a infância de volta a uma vida mais saudável.
Recordo um podcast que escutei recentemente, em que a especialista associava o uso da internet, em especial de redes sociais, à ideia de uma rua. Ela dizia que se nossas crianças vão para a rua acompanhadas, o mesmo deve acontecer com o uso da internet. Além de correrem perigo, como já sabemos a partir da publicidade de tantos casos de desafios perigosos e de comunidades que incitam ódio e violência, a infância baseada no celular não promove a antifragilidade. Ao contrário, smartphones e tablets são inibidores de experiências, nas mãos de nossas crianças.
Tudo indica que os nossos esforços protetores estão sendo mal direcionados.
Luciana Grassano Melo, professora titular da Faculdade de Direito da UFPE e procuradora do Estado de Pernambuco