Lições da Revolta de Mitilene: a arte de liderar sem ódio
.........."Não me desembainhe sem razão. Não me empunhe sem coragem." (Autor Desconhecido) ............................................

A História da Guerra do Peloponeso, escrita pelo ateniense Tucídides, é considerada um dos grandes clássicos da Grécia antiga.
Para mim, é quase como um tratado filosófico cheio de lições que ainda fazem sentido nos dias de hoje — tanto nas relações entre pessoas quanto entre países, todos sempre em busca do afrodisíaco poder.
O livro conta a longa guerra entre Atenas (Liga de Délos) e Esparta (Liga de Peloponeso) pelo controle da Grécia, um conflito que durou mais de vinte anos e envolveu muitas outras cidades da região.
Entre os momentos mais marcantes da obra está o Diálogo Meliano (ao qual recorro com frequência em meus textos), que mostra o lado mais duro da prática política objetiva (realpolitik) — aquela que age com base em interesses e resultados, sem se preocupar muito com princípios éticos e morais.
Os atenienses destruíram a ilha de Melos, mataram os varões, escravizaram mulheres e crianças, impondo um castigo cruel àquele povo que se recusou a submeter-se.
Mas há outras passagens igualmente importantes naquela obra e que merecem nossos holofotes.
Durante a guerra, em 428 a.C., a cidade de Mitilene, na ilha de Lesbos — até então aliada de Atenas — tentou se rebelar, buscando apoio de Esparta.
A revolta foi controlada e os líderes atenienses, inspirados por Clêon, decidiram que todos os homens daquela cidade deveriam ser executados.
No dia seguinte, porém, após um novo debate, Diódoto convenceu a assembleia a mudar de ideia. Ao final, apenas os responsáveis diretos pela rebelião, cerca de mil mitilenos, foram punidos e a maioria da população poupada.
Nesse episódio, vemos Atenas dividida entre o desejo de punir e a necessidade de agir com prudência.
Diódoto não defendeu os revoltosos. Ele reconheceu as suas culpas. Estavam claras nas ações de afronta. Mas lembrou que o papel daquela assembleia não era apenas castigar — era também refletir sobre o melhor para o futuro da cidade-estado. Para ele, a sobrevivência do império de Atenas dependia mais de manter aliados e conseguir recursos (cidades dominadas pagavam pesados tributos aos dominadores) do que de buscar vingança.
Sua fala mantém-se contemporânea, especialmente para aqueles que têm a missão de conduzir gente, sejam eles militares, políticos, juízes ou qualquer outra classe de dirigentes.
Nesse contexto atual, é sempre mais fácil ceder à pressão por punições duras. O povo quer ver justiça — ou pelo menos, o que entende por justiça. Quer se reunir na "bastilha" e ver a guilhotina descer sobre pescoços. Mas o verdadeiro desafio "dos que conduzem" (condottieres) está em manter a quietude, pensar nas consequências de seus atos e agir com firme equilíbrio.
Diódoto também alertou a assembleia contra decisões tomadas com raiva ou medo. Ele sabia que os sentimentos humanos, como a esperança e o desejo, são mais fortes que o temor de punições. Por isso, dizia que a pena de morte não impede rebeliões — só as torna mais desesperadas e sanguinolentas.
Sua lógica era simples: se os que resistem contra a dominação souberem que serão mortos mesmo se aceitarem rendição, lutarão até o fim e com muito mais determinação. Já se houver uma chance de sobrevivência, abre-se mais espaço para a capitulação e a reconciliação — o que preserva vidas e recursos dos vencedores, além de incorporar um maior butim tomado aos vencidos.
Em tempos de polarização maniqueísta, com decisões tomadas de afogadilho e no calor da emoção, reafirmo, a lição de Diódoto segue atual.
O verdadeiro condottiere não é o que grita mais alto, não é o que esperneia mais vigorosamente, não é o que tem mais likes, não é o que clama por mais vingança, mas o que sobe a montanha em busca de um posto de observação privilegiado que lhe permita enxergar mais longe o horizonte situacional, para então bem conduzir seus liderados.
As lições colhidas da Revolta de Mitilene transcendem o tempo e ecoa como advertência aos que detêm o mando. Liderar é, antes de tudo, saber conter o ímpeto da espada.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva