Roberto Pereira: Ler, prazer ou dever?
Que se traga a lume os gestores ligados à cultura, uma ampla discussão sobre os resultados desfavoráveis ao processo de enculturação de nossa gente

Na década de 1990, estive em Lille, norte da França, representando o Nordeste num intercâmbio educacional e cultural, quando encontrei Paris tomada por cartazes, com a pergunta instigante: Lire: plaisir ou devoir? Ou seja, Ler, prazer ou dever? Os franceses cultivam o ditado lire c’est grandir, isto é, ler é crescer. Crescer espiritual e culturalmente, claro!
Todavia, é preciso despertar nos jovens o prazer da leitura, exortou o genial Oscar Niemeyer. Neste ensejo, o escritor Plínio Fraga, em artigo na Folha de S. Paulo, afirma: “No Brasil, o equivalente a 77 milhões de pessoas diz não gostar de ler, segundo pesquisa ‘Retratos da Leitura no Brasil’, 6ª edição, realizada em 2024, mas divulgada em março deste ano. As principais razões para aqueles não habituados à leitura: leem muito devagar, 17%; não têm paciência para ler, 11%; não compreendem o que leem, 7%; não têm concentração para ler, 7%.”
A extensa pesquisa incentivada e realizada por iniciativa do Instituto Pró-livro está a merecer uma análise crítica. E mais: que se traga a lume os gestores ligados à cultura, uma ampla discussão sobre os resultados desfavoráveis ao processo de enculturação de nossa gente.
A coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, lamenta o fato de que as pesquisas citam uma queda da identificação dos estudantes. Não citam as escolas como espaço de referência à leitura.
Conforme a 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, um cotejo médio com outros países, o brasileiro costuma ler somente cerca de quatro livros por ano, enquanto o canadense, por exemplo, lê 12, o que indica, em nosso País, um índice de leitura bem abaixo de países mais adiantados.
A pesquisa aqui citada foi magistralmente analisada em artigo por José Cocco, especialista em marketing, membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo, um técnico de há muito defensor do estudo à formação dos jovens e da língua pátria, uma necessidade imperiosa à vida profissional. Cocco cita o professor Alberto Manguel, quando ele afirma: “Nós somos o que nós lemos e se lemos pouco, pouco somos.”
Esta 6ª edição da Pesquisa Retratos da Leitura – a mais extensa e adensada pesquisa sobre os hábitos de leitura do brasileiro – informa que, nos últimos quatro anos, houve uma redução de quase 7 milhões de leitores no país. Pela primeira vez, na série histórica da pesquisa, a proporção de não leitores é maior do que a de leitores na população brasileira: 53% das pessoas não leram nem parte de um livro – impresso ou digital – de qualquer gênero, incluindo didáticos, a própria bíblia e religiosos, de uma forma geral.
A pesquisa perquiriu também sobre a influência de padres, pastores ou outros líderes religiosos na indicação de livros – 9% daqueles que adquiriram livros citaram esses influenciadores.
Consultando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), percebe-se, com preocupação, que, em 2022, o analfabetismo diminuiu, mas continua mais elevado entre idosos, pretos e pardos, e no Nordeste.
A taxa de analfabetismo recuou de 6,1% em 2019 para 5,6% em 2022. O Nordeste tinha a taxa mais alta (11,7%) e o Sudeste, a mais baixa (2,9%). No segmento dos idosos (60 anos ou mais), a diferença entre as taxas era ainda mais acentuada: 32,5% para o Nordeste e 8,8% para o Sudeste.
Ainda tomando por base o ano de 2022, entre as pessoas pretas ou pardas, com 15 anos ou mais de idade, 7,4% eram analfabetas, mais que o dobro da taxa encontrada entre as pessoas brancas (3,4%).
Dentre os indicadores ligados à leitura, podemos, à guisa de exemplo, citar os seguintes dados: segundo o IBGE, em 2023, o Brasil tem 2.972 livrarias, de acordo com a Associação Nacional de Livrarias (ANL), a maioria concentrada no Sudeste, quantidade para atender, em média, à população brasileira, que é de 218 bilhões pessoas, perfazendo uma relação de uma livraria para cada 70 mil habitantes, lembrando que a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) recomenda a relação de uma livraria para cada 10 mil pessoas.
Na Argentina, por exemplo, aquele País dispõe de duas mil livrarias para atender a uma população inferior à quinta parte da população brasileira, ensejando um atendimento maior à demanda, do que no Brasil, da população daquele país.
Aqui, em nosso País, a relação preço e apreço não enlaça o desejado à enculturação, daí a pergunta que não pode silenciar: o brasileiro lê pouco porque o livro é caro ou o livro é caro porque o brasileiro lê pouco?
O prazer de ler, segundo sabemos, predomina no reino infantil, ficando os jovens e os adultos com a leitura obrigatória aos estudos e à profissionalização.
Fico com o poeta Mário Quintana: “O verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler, mas não lê,” lembrando ser a leitura o “adubo” necessário ao ato de saber escrever.
Roberto Pereira foi secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.