Ivanildo Sampaio: Um rei sem coroa
Bolsonaro está inelegível, enfrenta processos, é acusado de crimes e, mesmo sem mandato, parece intimidar políticos experientes

O ex-presidente Jair Bolsonaro se submeteu a mais uma cirurgia de urgência, ainda em consequência da facada que sofreu, em dezembro de 2018, num comício em Juiz de Fora, durante a campanha que o levaria à Presidência da República. Há quem diga, maldosamente, que a facada foi seu grande “cabo eleitoral”.
Jair Messias Bolsonaro passou por um procedimento delicado e demorado, até porque ocorreu numa área grandemente castigada, que já enfrentou cirurgias anteriores, e que se torna cada vez mais vulnerável. Desta vez, a crise de urgência aconteceu no interior do Rio Grande do Norte, e após os primeiros socorros, Bolsonaro foi transferido para um hospital em Brasília. E ainda no leito hospitalar, sem previsão de alta, Jair Bolsonaro repetiu o velho mantra que o acompanha desde que deixou o Poder: será ele o candidato do seu partido e dos grupos de direita que enfrentarão o presidente Lula – ou o nome escolhido pelos grupos de esquerda, uma vez que a saúde e a idade do atual chefe da Nação também requerem uma certa prudência.
O ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, enfrenta uma pilha de processos na Justiça, é acusado de vários crimes, inclusive da tentativa de golpe e, mesmo sem mandato, parece intimidar políticos experientes e velhas raposas cevadas, que não reagem nem se opõem aos seus desejos e à sua vontade. Condenado em alguns dos processos que enfrenta, trabalha e sonha com o indulto do Congresso – onde está posto o seu futuro político.
Seus correligionários parecem ter apagado da agenda uma das gestões mais medíocres que o País já teve após a redemocratização, os milhares de mortos vítimas da Covid porque Bolsonaro não acreditava na vacina; o isolamento internacional, onde o Brasil se tornou um pária; a crise vivida na Educação, onde um ministro não falava português, outro falava mas não escrevia; o sucateamento das universidades, dos hospitais, das escolas públicas, da infraestrutura do País, etc. etc. Homens públicos de várias correntes políticas e de bom histórico pessoal se curvam diante de Bolsonaro e, como afirmou certa vez o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, “um manda e o outro obedece”.
O presidente Lula não chega a ser um exemplo de discernimento, e mesmo com sua gestão pessimamente avaliada, não permite sequer que se cogite uma candidatura no PT que não seja a sua. Verdade que no partido não surgiram novas lideranças – e as que ameaçaram crescer, como a do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram queimadas na fogueira interna da Casa Civil, à frente os ministros Rui Costa e Gleisi Hoffmann, professora da intriga onde quer que esteja.
Mas, voltemos à questão inicial: por qual razão os líderes das tantas coligações que pululam o Congresso, entre elas o tão falado “Centrão”, se submetem aos caprichos, vontades e desejos do ex-presidente? Por que dirigentes das legendas partidárias não pensaram até agora num nome alternativo para concorrer à presidência, caso Bolsonaro seja impedido? Por que a timidez do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cada vez mais citado, diante de uma provável candidatura sua? Ou do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco? Ou de outros governadores ou parlamentares preparados para isso?
É clara a incerteza sobre o futuro de Bolsonaro, que não admite outro nome na disputa a não ser o seu ou, em último caso, de sua mulher Michelle; ou do filho Eduardo, como se o Brasil fosse uma “Republiqueta das Bananas”, onde o poder passa de pai para filho, como no Haiti de Papa Doc, de triste memória. (O general Ernesto Geisel, último presidente do regime militar, brigou com o irmão Orlando, também general, por não tê-lo mantido à frente do Ministério do Exército, onde estava durante a gestão do seu antecessor, o general Médici, exatamente com esse argumento: o Brasil não era uma “Republiqueta das Bananas”. Consta que Orlando morreu sem voltar a falar com Ernesto, apesar dos esforços da irmã mais velha, Amália, a quem os dois ouviam e respeitavam).
Mas, o tempo é senhor da razão: assim como se lançou candidato à Presidência o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, mesmo com poucas chances de vitória, é louvável a iniciativa – ele que já foi um fiel seguidor de Bolsonaro, com o qual rompeu e do qual afastou-se. E assim caminha a democracia. Tivemos, no passado, políticos como Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho; o senador Teotônio Vilela e o governador Leonel Brizola – além de muitos outros com maior ou menor visibilidade, todos construindo, a seu modo, o caminho pelo qual se reconquistou a democracia. Uma democracia que Jair Bolsonaro, segundo os processos que correm na Justiça, tentou, ao lado de alguns militares, violentar e, sem conseguir, busca um caminho da volta e a reinserção de sua presença na política nacional.
Espera-se que o ex-presidente recupere a saúde. Mas se espera, também, que Jair Bolsonaro jamais volte à política como chefe da Nação, com sua pregação divisionista e tacanha, sua visão de mundo ultrapassada e mesquinha, sua louvação a políticos como Donald Trump, que aos poucos vai destruindo tudo aquilo que o seu país edificou em mais de quatro séculos, como exemplo de solidariedade, fraternidade e democracia.
Ivanildo Sampaio é jornalista