OPINIÃO | Notícia

Eduardo Carvalho: Formação de cidadãos globais conscientes

A ECG abre os olhos e as mentes das pessoas para as realidades e as desperta para construir um mundo com mais justiça, equidade e direitos humanos

Por EDUARDO CARVALHO Publicado em 19/04/2025 às 14:18 | Atualizado em 19/04/2025 às 14:21

O termo "global" pode ser usado para descrever uma variedade de fenômenos, desde o comércio e os negócios até o meio ambiente e a sustentabilidade; da paz e dos direitos humanos à diversidade cultural e às afiliações religiosas. Compreende também, comunicação por diversos meios; campanha de marketing; surto de uma doença contagiosa; plantio e perda de colheitas; sistema financeiro; sensibilidade estética e estilo arquitetônico; oferta e demanda de recursos naturais, produtos e serviços; logística usando diversos meios de transporte; decisões políticas; sistemas de educação e saúde; inovações e invenções; acordos internacionais; organizações, empresas transnacionais e movimentos da sociedade civil. Em todas essas ilustrações, o elemento comum é a concepção de escala, ou seja, que o global tem aplicação, influenciando em outros lugares do mundo.

O mundo que vivemos é global e hiper interconectado. Decisões tomadas em um lugar podem impactar outro extremo do planeta, no curto ou longo prazo. Os desafios enfrentados por empresas, cidades, países requerem contribuição de várias áreas do conhecimento e, os mais complexos, como corrupção, fome, desigualdades, guerras, crises humanitárias e mudança climática exigem esforço coletivo que ultrapassa as fronteiras de qualquer país.

Há propósitos, de governantes de países ricos, de se isolarem no seu território, numa visão nacionalista extrema que pode se transformar num fascismo. Entretanto, por mais rico que seja o país, ele dependerá de insumos agrícolas e minerais de outros países e de cidadãos globais que possam contribuir significativamente para a sua economia com o turismo, negócios, frequentando instituições educacionais, participando de congressos, adquirindo bens e serviços.

Essa visão mesquinha, só reforça a importância da formação de cidadãos globais conscientes, com capacidade de vivenciar a realidade; estar atento aos mundos exterior e interior; pensar e agir além de impulsos e condicionamentos instintivos; compreender cenários globais; visualizar um maior número de possibilidades para atingir objetivos; avaliar as razões para decidir, coerente com valores e princípios para o seu bem e o bem comum. Requer indivíduos responsáveis, humildes, equilibrados emocionalmente, que se comuniquem autenticamente, capazes de negociar construtivamente e coordenar ações eficazmente. Uma sociedade precisa de cidadãos com alto nível de consciência. Eles representam o patrimônio mais valioso para a boa cidadania.

A educação para a cidadania global (ECG) não é uma disciplina adicional, mas um ethos, uma abordagem integrada em toda a escola. Se faz necessário que seja iniciada cedo, ainda na infância. O conceito ganha vida nas escolas por meio de um processo contínuo de aprendizado, reflexão e ação, considerando que os problemas globais são interconectados. No processo de aprendizado explora-se o tema, considera-o a partir de diferentes perspectivas, compreendendo suas causas e consequências. Requer pensar crítica e sistemicamente sobre o que pode ser feito para agir coletivamente. O diálogo deve ser estimulado, nutrindo-se a cultura da indagação. Professores e estudantes precisam ser capacitados em resolver problemas autênticos. Com esse objetivo, o currículo baseia-se amplamente em projetos, com uma sequência cumulativa de unidades transdisciplinares dentro e entre os diversos anos da vida escolar.

Por exemplo, no terceiro ano do Ensino Fundamental, os estudantes podem aprender sobre a interdependência global num projeto de empreendimento social de fabricação de chocolate. O objetivo de aprendizagem é a construção de espírito empreendedor em crianças por meio da compreensão das cadeias globais de produção de alimentos, da ética do livre comércio e do trabalho infantil, utilizando o chocolate como caso. O foco geográfico principal está nos países da África Ocidental que produzem matéria-prima para fabricar chocolate. O ano termina com uma oportunidade de desenvolver tarefas complexas que incorporam as habilidades, os conhecimentos e as atitudes aprendidas durante o período. A atividade final é criar uma campanha de marketing para o chocolate que os próprios alunos fabricaram, sendo que precisam diferenciar o produto com base na cultura do mercado-alvo.

Outros exemplos de atividades: estudantes da pré-escola atuam em espetáculo de marionetes para entender melhor as diferenças entre as pessoas; os do primeiro ano criam um “Livro sobre Mim”; os do segundo ano dão aulas para outros colegas; os do quarto ano criam um jogo sobre civilizações; os do quinto ano participam de uma aprendizagem sobre serviço comunitário. Em muitos casos, os projetos são construídos sobre outros. O objetivo é permitir que os estudantes demonstrem criatividade e capacidade de inovar na formulação de soluções para desafios globais reais e que aprendam com o mundo para melhorar o local.

A ECG abre os olhos e as mentes das pessoas para as realidades do mundo e as desperta para construir um mundo com mais justiça, equidade e direitos humanos para todos. Abrange Educação em Direitos Humanos, Educação para a Sustentabilidade, Educação para a Paz e Prevenção de Conflitos, Educação para a Democracia e Educação Intercultural. O cidadão global é consciente de um mundo maior, cultiva o respeito aos outros e ao mundo, compreende como funciona e compromete-se, fundamentalmente, com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. É capaz de sintetizar o conhecimento de várias disciplinas, desenvolvendo abordagens criativas para enxergar os problemas e soluções.

A ECG é mais uma viagem do que um destino, pois estamos sempre no processo de criar oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento para as crianças e jovens inventarem o futuro – um futuro que seja melhor do que o presente. O processo necessita do envolvimento de estudantes, pais e membros da comunidade, muitos professores e os profissionais que dão suporte ao trabalho deles. É prioridade para a construção de uma sociedade virtuosa, com instituições eficientes e respeitadas.

Eduardo Carvalho, Harvard University/IPERID Fellow, Autor do livro Educação Cidadã Global

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