As festas que começavam à meia-noite
A Sexta-Feira Santa tinha uma comemoração bem diferente, antigamente. E botem diferente nisso. As pessoas tentavam falar o menos possível...

O propósito era criar uma aura de silêncio e pesar pela morte de Cristo. As emissoras de rádio executavam apenas músicas clássicas. Nos cinemas, apenas filmes sacros, a começar de “Paixão de Cristo”, que era mostrado todos os anos, sempre atraindo um bom público.
A cerimônia da Paixão do Senhor acontecia nas igrejas, com três partes: Liturgia da Palavra, Adoração da Cruz e Comunhão Eucarística. Era realizada às 15h, hora em que Jesus foi morto e era muito longa. E também a Procissão do Senhor Morto, com a imagem sendo retirada das Igrejas, para circular por ruas próximas. Uma curiosidade: a sexta-feira santa é o único dia do ano em que os padres não podem celebrar missas.
Muitos restaurantes fechavam suas portas (o que ainda acontece com alguns, atualmente) e os que abriam serviam apenas peixe ou bacalhau. Nada de carne, que não deve ser consumida neste dia, conforme preceitos da liturgia católica. O comércio fechava todas as suas lojas.
Sempre havia apresentações de espetáculos da Paixão de Cristo. A mais famosa delas, a de Nova Jerusalém, teve a origem nas encenações do Drama do Calvário, realizadas nas ruas da vila de Fazenda Nova, entre 1951 e 1962, por iniciativa do patriarca da família Mendonça, o comerciante e líder político local Epaminondas Mendonça. Depois de ler na revista “O Cruzeiro” como os habitantes da cidade de Oberammergau, na Baviera alemã, encenavam a Paixão de Cristo, ele teve a ideia de fazer um evento parecido durante a Semana Santa, para atrair turistas e movimentar o comércio do lugar. A original alemã acontece a cada 10 anos, a pernambucana todo ano.
O genro dele, Plínio Pacheco, casado com Diva Pacheco, gaúcho que se mudou para Pernambuco, quando era militar da Força Aérea Brasileira, idealizou a cidade-teatro de Nova Jerusalém, com um terço do tamanho da cidade de Israel, que começou a ser construído em 1956 e foi inaugurada em 1968. A partir de 1995, os espetáculos passaram a ter a participação de atores famosos, como Francisco Cuoco, Susana Vieira, Mauro Mendonça, Murilo Rosa, Thiago Lacerda, Eriberto Leão, Patrícia Pilar, Giovana Antonelli, Cristiana Oliveira, Oscar Magrini, Carol Castro, Carmo Dalla Vecchia, Herson Capri, Miguel Falabella, Fafá de Belém, Grazi Massafera e Letícia Spiller.
Duas figuras foram importantíssimas para a divulgação do espetáculo: Carlos Imperial, que veio várias vezes participar da cena do Bacanal de Herodes e destacava a beleza da encenação nos jornais e programas de TV que apresentava, e o figurinista Denner, que participou também do bacanal e gerou uma enorme mídia nacional.
José Pimentel, que fez o papel de Jesus por décadas, ao ser demitido, decidiu criar a Paixão de Cristo do Recife. Mesmo sem muitos recursos, fez belos espetáculos. Primeiro, no Estádio do Arruda, depois, no Marco Zero, que existiu até sua morte. Hoje, continua a ser mostrado.
Pernambuco sempre teve a tradição de realizar muitos espetáculos da Paixão de Cristo, alguns bem simples, em alguns municípios, o que fez com que Cadoca Pereira, quando era secretário de Turismo, criasse o projeto “Pernambuco das Paixões”, com ajuda a várias realizações.
Outra ação pouco vista, atualmente, era a Malhação do Judas. Um boneco de pano, sempre lembrando alguma personagem em baixa na opinião pública, virava alvo das pessoas com pedaços de pau, até ser destruído.
Única exceção no clima de tristeza foram as “Micaretas”, festa que os clubes sociais realizavam para reviver o carnaval, sempre com grandes atrações. Aconteceram no Internacional, Português, Sport e Náutico, que competiam para fazer a melhor festa. Tinham uma decoração que lembrava o carnaval e apareciam até pessoas usando fantasias. O detalhe muito respeitado é que só começavam exatamente à meia-noite, respeitando toda a Sexta-Feira Santa. A alegria, então, ia até às cinco da manhã. Além das principais orquestras pernambucanas, como de José Menezes, Clóvis Peixoto, Nelson Ferreira, Guedes Pereira, Fernando Borges e Super Oara, estas festas tiveram até a participação de orquestras que vinham do Rio, como as de Erlon Chaves e Waldir Calmon, enxertadas com alguns músicos pernambucanos.
Essas micaretas duraram até os anos 90, quando foram perdendo o interesse e chegaram ao fim. O nome acabou sendo usado para os carnavais fora de época que explodiram no país, inclusive com o nosso Recifolia.
João Alberto Martins Sobral, editor da coluna João Alberto no Social 1