Roberto Pereira: Marcos Vilaça, larim, toré, babá
Marcos Vilaça, respeitado no Brasil e em diversos países, mas homem do seu canto, do amor fiel à esposa, Maria do Carmo, e sua constelação familiar

Larim, toré, babá, Marcos Vilaça, agora na eternidade, motivo de alegria para o Paraíso, notadamente para os escritores brasileiros que já se encontram no Reino do Céu.
Câmara Cascudo e o meu pai, escritor Nilo Pereira, tinham um cumprimento restrito aos dois e o compromisso de, falecendo um, a saudação teria trânsito pela substituição daquele que viajou à eternidade.
No desenlace de Cascudo, meu pai escolheu o escritor Marcos Vilaça, que, por ocasião da infinitude de Nilo, escolheu a mim para a saudação, quase sempre de alegria, fosse antecedida ou quando da despedida, em ligações telefônicas, na troca de e-mails, cartas ou whatsapps, pelo “larim, toré, babá”.
Na última conversa que tivemos, Vilaça e eu, brincamos, a bem brincar, repetindo a saudação que nos unia a Cascudo e ao meu saudoso pai.
Coube-me agora o dever de encerrar esse ciclo de muita ternura, continuado com a alegria de Vilaça, que deu sequência a essa linha de transmissão da inteligência e dos saberes aprimorados com vistas à região nordestina, a Pernambuco por inteiro.
Academia Brasileira de Letras
Não me reporto ao prestígio de sua posse, em 02/07/1985, na cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras (ABL), a qual compareci, nem à beleza plástica do seu discurso. Desejo, sim, me referir a um traço comum aos cargos que assumiu na sua extensa trajetória e se desincumbiu com o respeito e a admiração de todos os brasis deste Brasil: a sua obstinada pernambucanidade.
Em 15/12/2005 – vale a pena recordar –, para gáudio dos pernambucanos, o escritor e ensaísta Marcos Vilaça assumiu, pernambucana e brasileiramente, a Presidência da maior corte literária do país e o fez, levando consigo o espírito de pernambucanidade.
Fortuna Crítica
Na sua imensa fortuna crítica está a inigualável Rachel de Queiroz, de quem também me tornei amigo, quando dele disse: “é o danado de um pernambucano com todas as notórias qualidades do pernambucanismo.”
Ou de outra imortal, igualmente reverenciada, Nélida Piñon, a quem conheci aqui no Recife: “Marcos Vilaça, intelectual de estirpe, observa o Brasil com mirada que lhe foi emprestada, desde o berço, pela tradição nordestina. Para ele, Pernambuco e Brasil são entidades tão indissolúveis que, ao examinar a densidade sociológica ou histórica do seu Estado, sob que ótica seja, guarda o sestro de ampliar a fim de abarcar com elas o país como um todo.”
Ação Cultural
Quando presidi a Fundarpe 83/86, o nosso escritor Marcos Vilaça era o então secretário de Cultura do Ministério da Educação e Cultura, quando muito ajudou aquela Fundação a empreender o maior número de restauração de monumentos já acontecido.
Por igual, o vasto projeto editorial, uma média de um livro/semana, graças às reedições, mas, também, abrindo espaço às novas publicações e às novas gerações de escritores. Tão grande e tão eloquente que lançamos, ao final de nossa gestão, em 1986, todos os livros com extremado êxito, no Rio de Janeiro.
Por isso, a ele devemos, enquanto secretário Nacional da Cultura, o tombamento de Olinda, como Patrimônio Mundial da Humanidade, em prosseguimento ao trabalho iniciado por seu antecessor, Aloísio Magalhães, conforme gostava de registrar.
No processo, fez constar o lindo verso de Carlos Pena Filho:
Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.
Partiu dele também o tombamento, no Rio de Janeiro, do Paço Imperial, evitando, à época, que ali se construísse um conglomerado de escritórios, mas ficassem asseguradas as galerias de arte, os espaços de memória, formando um ambiente de cultura.
Numa entrevista que ele concedeu, em 28/07/2008, a Jô Soares, revelou que, ao chegar naquela Pasta da Cultura, lamentou a ausência de patrimônios brasileiros no reconhecimento da Unesco.
Chegou a dizer que o que mais orgulho lhe causou foi ter conduzido, junto à Unesco, o processo de São Miguel das Missões de Rio Grande do Sul, porque, além dos santos e do artesanato religiosos, existe, ali, a questão da colonização socialista, um sistema político antes de Marx.
Preocupou-se não somente com o tombamento do bem físico material, dizendo que não basta tombar os palácios, a Casa-Grande, as igrejas, mesmo chegando a tombar, no Ceará, o Engenho da Galinha Choca, que retrata as agruras da seca no Nordeste brasileiro.
Preservação da natureza
Chegou a tombar a Mata Iguaçu, uma defesa da natureza, um cenário da vida brasileira.
O rio e Vilaça
Falou da sua identificação com o rio, a ponto de ter nascido à beira do rio Tracunhaém, rio da Zona da Mata, e crescido às margens do Capibaribe, o rio dos poetas, também conhecido com os seguintes apelidos:
“Espelho do meu sonhar
“Papa-estrelas
“Coquetel de espumas
Em seguida, de memória, Vilaça declamou sob os aplausos da plateia, lindo verso de Austro Costa:
Capibaribe, meu rio,
Que vida levamos nós!
tu corres: eu rodopio...
E há quarenta anos a fio:
sempre juntos – e tão sós!
Cultura Viva de Pernambuco
Daí, ao instituir, na Fundarpe, o Programa Cultura Viva de Pernambuco, fizemos questão de iniciá-lo bem: começamos por Marcos Vilaça, sob os aplausos de Pernambuco por inteiro.
Aplausos que ainda hoje ecoam em meu espírito. O então ministro Marcos Vilaça pode, por seu legado de amor ao nosso Estado, mudar a geopolítica do Recife que precisa escapar à pecha de capital brasileira da inveja. Homenagear os vivos pelo patriotismo de viverem para a Pátria que deveria ser um dever cívico e cultural de todos quantos zelam por seus valores maiores.
Traduzido em vários idiomas, Marcos Vilaça, respeitado no Brasil e em diversos países, mas homem do seu canto, do amor fiel à esposa, Maria do Carmo, e à sua constelação famíliar, onde chegou a sofrer revezes inimagináveis, a perda do filho, por exemplo, mas, mesmo emocionado, resistiu, heroica e bravamente, aceitando, com destemor, os desígnios de Deus, tornando-se um cavalheiro da fé, apóstolo do bem, para quem “até morrer, tudo é vida,” como dissera Quixote.
Roberto Pereira foi secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.