Priscila Lapa e Sandro Prado: Lula e o Nordeste - o ponto de inflexão da aprovação presidencial
No caso nordestino, dois fatores estruturais têm sido decisivos na inflexão: a inflação persistente dos alimentos e a escalada da violência urbana

A mais recente pesquisa Datafolha, divulgada neste sábado (5), oferece ao governo Lula um breve alívio estatístico: após atingir o pior índice de avaliação positiva de seus três mandatos em fevereiro (24%), o presidente recupera cinco pontos e atinge agora 29% de aprovação. A reprovação caiu de 41% para 38%, e o percentual dos que avaliam o governo como regular manteve-se em 32%. Ainda que tímida, essa oscilação indica uma possível inflexão na curva de deterioração da imagem presidencial, que vinha em queda contínua desde meados de 2023.
Entretanto, uma leitura mais profunda do levantamento, cruzada com os dados anteriores da própria Datafolha e da Quaest, revela que a recuperação é frágil, parcial e altamente tensionada por clivagens sociais e regionais. O Nordeste, região que historicamente sustenta os maiores índices de apoio ao petismo e ao lulismo, permanece como principal base de apoio, mas já não oferece a blindagem simbólica e eleitoral que um dia garantiu vitórias folgadas a Lula e ao PT.
De acordo com os dados divulgados, 38% dos nordestinos avaliam o governo como ótimo ou bom, contra 35% que o consideram regular e 26% que o classificam como ruim ou péssimo. É a única região onde a avaliação positiva supera a negativa, mas mesmo esse cenário já representa uma retração quando comparado ao início do mandato. No primeiro semestre de 2023, esse mesmo estrato chegou a registrar mais de 60% de aprovação em diversos levantamentos. A erosão da confiança, embora mais lenta que em outras regiões, é perceptível e preocupante.
A opinião pública é fortemente moldada por experiências materiais diretas e por processos de mediação política e midiática. No caso nordestino, dois fatores estruturais têm sido decisivos na inflexão da curva de apoio a Lula: a inflação persistente dos alimentos e a escalada da violência urbana.
Mesmo com esforços do governo federal, como a isenção de impostos de importação sobre alguns alimentos, o encarecimento dos gêneros alimentícios continua a impactar diretamente a vida da população de baixa renda, majoritária na região. Segundo o IPCA, alimentos como feijão, arroz, leite, café, ovo e carne acumulam altas superiores à média nacional, e esse impacto corrói o capital político do governo junto à base popular. Os eleitores tendem a avaliar o governo com base em seu desempenho econômico retrospectivo, especialmente no que diz respeito ao que afeta diretamente a economia doméstica do eleitor.
Paralelamente, a violência urbana — especialmente em capitais como Recife, Salvador e Fortaleza — atingiu níveis alarmantes, com crescimento dos homicídios, assaltos e a presença ostensiva de facções. A frustração com a insegurança, mesmo sendo a segurança pública uma responsabilidade prioritária dos governos estaduais, repercute negativamente na avaliação do presidente da República, principalmente quando o governo federal é percebido como ausente ou ineficaz no enfrentamento do problema, pois há uma nítida associação simbólica entre o governo federal e a impotência diante da violência.
Outro elemento que merece destaque é a queda de aprovação entre evangélicos nordestinos. Embora os dados da Datafolha não detalhem o cruzamento regional por religião, sabe-se que o eleitorado evangélico vem ampliando sua rejeição a Lula em todo o país — e essa tendência tem eco no Nordeste, especialmente entre trabalhadores urbanos com renda de até dois salários mínimos. Nesse grupo, a avaliação positiva de Lula é de 30%, mas a reprovação já chega a 36%, sinalizando uma erosão no cinturão popular lulista.
Por fim, a pesquisa mostra que a recuperação de cinco pontos na aprovação nacional não altera a estrutura da divisão do país em termos de imagem presidencial. O Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste continuam com reprovação majoritária e crescente. No Nordeste, o apoio resiste, mas com menor intensidade e maior hesitação, como mostra o dado de que 35% dos nordestinos acreditam que o restante do mandato será ruim ou péssimo — o mesmo percentual dos que projetam um governo ótimo ou bom. Ou seja, a esperança e o ceticismo caminham lado a lado entre os eleitores nordestinos, um dado politicamente relevante para 2026.
Esse cenário exige do governo uma revisão urgente de prioridades políticas, comunicacionais e federativas. Não basta anunciar programas: é preciso que os efeitos sejam visíveis, perceptíveis e simbólicos para as camadas populares. Janelas de oportunidade política são abertas por problemas urgentes, soluções viáveis e vontade política. O governo Lula, para reconectar-se com o eleitorado nordestino, precisa transformar seus esforços em realidades sentidas no cotidiano da população.
Se há um sinal de inflexão, ele é pequeno, incerto e frágil. Lula permanece à frente de um país dividido e de uma base que, embora ainda fiel, começa a expressar fadiga e frustração. Resta saber se o governo conseguirá traduzir os próximos meses em respostas materiais convincentes, sobretudo no combate à carestia e à violência — dois dos mais antigos fantasmas da política brasileira.
Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.