OPINIÃO | Notícia

Jones Figueirêdo Alves: Uma pintura sacra da Igreja da Madre de Deus

A passagem bíblica da Annunciation Domini tem uma importância teológica. Notadamente, a iconografia da Anunciação associa-se ao devocional mariano

Por Jones Figueirêdo Alves Publicado em 07/04/2025 às 7:00

A Anunciação do Senhor é celebrada todos os anos no dia 25 de março, há exatos nove meses antes do Natal. Por desígnios divinos, a Anunciação feita pelo Arcanjo Gabriel a Maria (Lucas, 1, 26-38), conferiu-lhe a Bem-Aventurança de ser a Mãe de Jesus, no projeto salvífico de Deus.

A passagem bíblica da Annunciation Domini, em sua riquíssima representação pictórica, tem uma maior importância teológica. Notadamente, a iconografia da Anunciação, em suas variantes, associa-se ao devocional mariano. Debateu-se, por séculos, acerca dessa complexa iconografia, na história da arte e da religião, quando a figuração intensa dos raios de luz, de cor dourada, durante a Anunciação, em algumas (e talvez poucas) pinturas sacras, incide diretamente no ouvido de Maria (“conceptio per aurem”).

Uma delas se encontra no Recife, na Igreja da Madre de Deus, construída em 1679/1720. O templo foi parcialmente danificado, séculos depois, por um incêndio (1971) quando destruídas a sua capela-mor e algumas imagens. Ali, a discutida pintura sacra restou preservada.

A ação fecundante exercida pelo Espírito Santo sobre Maria, com os raios luminosos dirigidos ao ouvido, foi destacada na “Anunciação” de Fra Angelico (1430), encontrada no Museu do Prado, em Madrid. Enquanto isso, a teoria da “conceptio per uterum”, teve sua representação na “Anunciação” de Gentile da Fabriano (1425), que integra a Pinacoteca do Vaticano. Nela, o feixe de luz destina-se ao ventre de Maria. De sorte que retrataram a grande discussão teológica presente nos séculos IV e V.

A concepção pelo ouvido de Maria tem sido modelo para uma verdade cristã profundamente espiritual: “A fé vem pelo ouvir”; disse-nos Paulo (57 d.C.), em sua Epistola aos Romanos (10,17). Como “Cristo é a Palavra”, Maria, ao ouvi-la, concebeu do Espírito Santo. Daí, a importância e relevância da pintura recifense.

Esse emprego pictórico da Mensagem é considerado eficaz para representar visualmente o mistério da Encarnação. Na Marienkapelle, da alemã Würzburg, em seu portal norte, destaca-se “O Anúncio a Maria”, onde vemos um imenso tubo que vai da boca do Deus-Pai até o ouvido de Maria.

Introduzida a solenidade litúrgica da Anunciação no calendário cristão, por proclamação do Papa Sergio I (final do século VII), a Festa da Encarnação teve origem nos primeiros séculos do cristianismo, com maior difusão na época de Justiniano (século VI).

Convém, outrossim, assinalar: (i) somente em 431 d.C., no Concílio de Éfeso, a Igreja veio proclamar Maria
como Mãe de Deus (Theotokos), defendendo, com efeito, a real Encarnação do Filho de Deus entre os homens; (ii) o dogma de fé da Imaculada Conceição (Concepção) foi proclamado pelo Papa Pio IX somente em 8.12.1854, na bula "Ineffabilis Deus", que atesta e proclama que a Virgem Maria foi preservada do pecado original. Muito embora, antes do dogma, vir a Igreja assim celebra-la, desde decreto do Papa Sisto V,
em 28.02.1477. (iii) A imagem de Jesus crucificado só começou a ser venerada séculos depois da morte dele. O Concilio de Niceia, no ano 325, autorizou a imagem do crucifixo tal como o usamos hoje, como referiu Juan Arias Martínez (2018). Interessava aos antigos cristãos o Jesus ressuscitado, não o sacrificado em uma cruz.

No momento da Anunciação houve operar-se a concepção imaculada. Aliás, a primeira frase da Ave Maria foi dita pelo próprio Deus: “Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco.” (Lucas 1, 28). Sua aparição a Maria é das mais reverenciadas na tradição cristã, pois marca o início da encarnação de Cristo.

A concepção de Jesus sem intervenção humana cumpre a antiga profecia de Isaías 7:14: “Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e o seu nome será Emanuel.” Esse sinal milagroso enfatiza a natureza divina de Jesus.

A Anunciação, carregada de valores espirituais na história sagrada, tem seu lugar exatamente em Nazaré (do hebraico "Netzer"), cujo significado é “flor”, “broto” ou “rebento”. Ele se apresenta em Isaías 11:1, onde ali consignou-se: “Um ramo surgirá do tronco de Jessé, e das suas raízes brotará um renovo”, simbolizando a linhagem de Jessé e a vinda do Messias.

Muitas doutrinas sobre a concepção de Maria, analisam a Anunciação e uma delas, a de São Tomaz de Aquino (1225-1274). Em suas reflexões, sustentou pela purificação de Maria quanto ao pecado original, dado que como Mãe de Deus, concebendo do Espírito Santo, “para corresponder à dignidade de um
Filho tão excelso, convinha que Ela também fosse purificada de modo extremo”.

Em sua “Novena da Esperança; rezando nove meses com Maria” (Paulinas, 2025) o padre jesuíta Pedro Rubens Ferreira Oliveira, Magnifico Reitor da Universidade Católica de Pernambuco, defende uma nova forma de caminhar com Maria - da Anunciação ao Natal - uma vez por mês, “renovando nossa esperança em uma humanidade nova, segundo o mistério da Palavra”. Onde no dia 25 de cada mês, tenhamos um exercício espiritual com a força da Fé, rezando com Maria grávida. Inspira-nos, ele, um ciclo mariano fundamental na
infinita riqueza da mariologia.

O culto e a iconografia da Virgem assumem sua proeminência, onde o anúncio angélico é o momento da Encarnação de Cristo. Nele está o começo da redenção humana.

Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista