OPINIÃO | Notícia

Ilanna Mendonça: Vovô Marcos: Imortal, Imortal...

Como disse muitas vezes, ele viveu o que chamava da "Era do Conhecimento", e não guardava consigo seu brilhantismo. Generoso, sempre ensinou.

Por ILANNA MENDONÇA Publicado em 06/04/2025 às 7:00 | Atualizado em 06/04/2025 às 7:47

Posso ver o sorriso de Vovó Minha ao te abraçar em planos outros. Com um panamá e um lenço de bolso, cuidadosamente escolhidos, ela deu um toque final à elegância da sua chegada.

— Olha, Naninha, como Marcos está elegante!

— Está parecendo um Brad Pitt de época, Vovó. — eu diria. Ele sorria como se também vestisse os elogios.

Aquela sutileza da despedida não era diferente quando Vovô retornava do trabalho. Minha avó o recebia na porta. Continuava impecável.

Jantavam, assistiam ao Jornal Nacional e, em seguida, a uma partida de futebol ou de vôlei. Quando Vovô finalmente dormia, minha avó maratonava episódios sobre viagens e culturas mundo afora.

Vovó Minha viveu um amor incomparável. Disse-me um dia: — Naninha, eu amo profundamente meus filhos e netos, mas o amor da minha vida é Marcos.

Era um amor devoto, de uma intimidade inabalável — lindo de se ver. Ao trocarem olhares, o amor inebriava o ambiente. Era denso na simplicidade.

Vovô Marcos foi — finalmente — ao reencontro desse amor.

Mais um ciclo foi encerrado; entrelaçou-se com o de Vovó Minha e, unindo-se, finalmente juntos, encontram a infinitude da eternidade.

Nas nossas férias em Brasília éramos reis. Nunca nos faltou. Fossem maçãs verdes, tangerinas, kibes e pipoca. Também não faltavam presentes e inúmeras programações. Casa dos avós, paraíso dos netos.

Tínhamos um quarto, ou melhor, o "Netário", com direito a uma placa na porta e tudo mais.

Quando chegavam em casa, ao final do dia, ouvíamos:

— Cadê os amores de Vovó Minha e Vovô Marcos? Cadê os amores de Vovó Minha e Vovô Marcos?

— Aquiiii, Vovó Minha! Aquiii!

Corríamos para o quarto deles e nos escondíamos entre os lençóis. Vovô, brechando a porta, numa tentativa de não transparecer seu sorriso, soltava pausadamente:

— Não quero neto nenhum na minha cama.

Entregávamo-nos em gargalhadas.

Era assim. Todos os dias.

Cheio de bordões, amava uma reclamação e cultivava uma fofoca como ninguém. Quando não tinha novidades, fazia questão de inventá-las.

No avançar da idade, quando o telefonava, perguntava como ele estava. Ouvia o suspiro seguido de:

— Velho, minha filha, muito velho. E você, algum comercial para contar?

Múltiplo. Exerceu muitas funções e foi senhor de suas atitudes — inovadoras, inclusive. Dedicou-se integralmente à criação.

Como disse muitas vezes, viveu o que chamava da "Era do Conhecimento", e não guardava consigo seu brilhantismo. Generoso, sempre ensinou.

Fiel e amigo dedicado. Fizera muitas amizades — sem distinção de idade, tampouco de fronteiras.

Conversava de tudo; apelidava a todos.

Conheceu Leo, meu marido, quando morei com meus avós no Rio de Janeiro; naquele ano, Léo concluía a faculdade de Medicina. Lembro-me de quando Vovô o chamou para caminhar no calçadão de Copacabana. Fiquei em casa com Vovó. Quando voltou, Leo sorriu e disse:

— Falamos sobre uma porção de assuntos e, ao final, já sabia de onde eu vim e para onde eu queria ir.

Vovô Marcos, por sua vez, cochichou ao pé do meu ouvido: — O Curandeiro é um ótimo sujeito.

Eu ri. Batizou-o ali de Curandeiro.

Brilhante. Imortal. Deixa uma saudade imensa por não ter sido imorrível. Ciclos da vida.

Finitude paradoxal; alcançou enfim à eternidade.

Dentre tantas honrarias, jamais faltaram em seus textos homenagens à maior de suas saudades: Marcantonio. Transformou-a em força e dedicou se a perpetuar a sua memória. Como uma vez o descreveu, penso eu — talvez em uma autorreflexão — disse:

"(Marcantonio) desafiou comodismos. Era irônico com a mesmice, pois precisava mostrar que não existe evolução sem utopias".

Assim também foi Marcos. Naquela mesma ocasião, concluiu a saudade numa citação de São João da Cruz

"Não há caminhos, há que caminhar".

Vovô e Vovó percorreram o mundo numa peregrinação.

No último dia 29, Vovô finalmente abraçou Tio Tom nas ditas galerias celestes.

Concluo parafraseando o hino pernambucano, conclamando: "Marcos, IMORTAL, IMORTAL! Salve ó Vilaça!"

Em nome dos meus irmãos, José e Vinicius, com quem dividi uma infância e vida adulta riquíssima em memórias ao lado dos nossos avós, do nosso amado pai, Mendonça, e, especialmente, em nome da nossa mãe, fortaleza e fonte de amor inesgotável, Taciana, e de suas irmães, as Socorros. Agradecemos imensamente pelas mensagens de carinho, fraternidade e amor. Seguiremos juntos, numa caminhança.

Ilanna Mendonça, advogada e neta de Marcos Vilaça