Otávio Santana do Rêgo Barros: O lobo do bem vencerá
Assim como Sísifo, não permita que as pedras da esperança e da compreensão rolem morro abaixo, e recomece sempre empurrando-as morro acima.

Há cerca de cinco anos estávamos em plena pandemia - um período portanto propício à reflexão - e recebi de presente o livro De Porta em Porta, oferecido pelo próprio autor, o apresentador e empresário Luciano Huck.
Na obra, ele narra sua trajetória pessoal e profissional, conversa com figuras de destaque de diversos campos, apresenta seus projetos no terceiro setor e compartilha suas preocupações com o mundo, os desdobramentos da conjuntura geopolítica e, em especial, os reflexos dessas transformações para o nosso país.
Na introdução, Luciano transcreve uma fábula Cherokee que, desde então, tem guiado o meu dia a dia:
"Um velho índio diz ao neto:
Há uma batalha sendo travada dentro de mim, uma luta terrível entre dois lobos.
Um é maligno - raivoso, ganancioso, ciumento, arrogante, dissimulado e covarde.
O outro é bondoso - pacífico, amoroso, modesto, generoso, honesto e confiável.
Esses dois lobos também estão lutando dentro de você e das outras pessoas.
Depois de um momento, o garoto pergunta:
Qual dos dois lobos vai vencer?
O velho sorri e responde:
O que você alimentar."
Em um mundo cada vez mais egoísta, onde as pessoas se fixam unicamente em seus interesses e se mostram pouco dispostas a cooperar com os outros, ceder em opiniões e compartilhar energia positiva, talvez o velho índio devesse completar a história:
"Meu filho, quando voltar à tribo, procure cercar-se dos lobos do bem.
Se a matilha estiver unida, ela afastará os lobos do mal que teimam em uivar noite e dia em nossos corações."
Ao longo da minha carreira profissional deparei-me com outras lições de vida nesse mesmo sentido. Em 2010, quando comandava as tropas brasileiras no Haiti, vivenciamos momentos de estresse constante: um terremoto devastador fraturara a cidade de Porto Príncipe, e dezenas de milhares de pessoas haviam perdido a vida. Naturalmente, as emoções muitas vezes suplantavam a razão na busca por soluções para os problemas pessoais e organizacionais.
Era comum ver pessoas perambulando entre destroços de ferro retorcido, tijolos espalhados e concreto estilhaçado em busca de sobreviventes e alimentos. A estrutura deliberativa da ONU, representada pela MINUSTAH, encontrava-se atordoada diante da perda de inúmeros empregados, civis e militares, enquanto as tropas brasileiras operavam incessantemente, frequentemente com mais de 48 horas de atividade contínua. Nervos à flor da pele e gritos por todos os lados eram parte do cenário.
Lembro-me de um oficial experiente que costumava dizer: "Quem me irrita, me vence, coronel!" Foi com esse lema que conduzimos a estabilização da cidade e trouxemos ordem ao verdadeiro inferno que se criou após a catástrofe.
Hoje, já na reserva e mais ocupado cuidando dos netos do que pensando em operações militares, essas lembranças reforçam em mim os conselhos do índio e do oficial. Junte-se aos lobos do bem e não se deixe vencer pela irritação.
Há pessoas que estimulam o seu lobo do mal alimentando a sensação de perseguição; outras, fomentando o seu coitadismo; e ainda há as que promovem a desunião entre as pessoas para sobressair-se como apaziguadora.
Respire fundo, caro leitor, pois é fácil identificá-las pelas palavras, pelos atos ou pelas omissões. Até pelo odor acre exalado pelos poros vedados à interação saudável com o mundo.
Mesmo assim, podemos - e devemos - lutar para transformá-las. Assim como Sísifo, não permita que as pedras da esperança e da compreensão rolem morro abaixo, e recomece sempre empurrando-as morro acima. Essa resiliência ajudará a manter a sua matilha orientada na estrada do bem.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva