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Aumentar a pena nunca foi a solução

O que inibe, desestimula o crime é a certeza da punição e nunca a quantidade de pena. Em maior ou menor quantidade, convivemos com a violência.

Por RENATO DA SILVA FILHO Publicado em 03/04/2025 às 0:00 | Atualizado em 04/04/2025 às 14:03

Conta-se que na Inglaterra, no século XVIII, se implantou o enforcamento como punição para os batedores de carteira. Sim, já existiam os "pickpockets" naquela época. No dia determinado para aplicação da pena a quatro condenados, Londres parou e uma multidão compareceu em peso ao local da execução. A data ficou conhecida não somente pela efetivação da pena capital, mas também porque foi, nesse dia, em que houve o maior número de carteiras furtadas na história do Reino Unido. Nos Estados Unidos que se destaca não apenas pelo rigoroso sistema penal, mas também pela adoção da pena de morte, há várias pesquisas demonstrando que a cota de assassinatos é maior naqueles Estados onde aquela pena faz parte do ordenamento legal. Um dos estudos examinou a evolução da taxa de homicídios antes e depois de uma execução realizada em 1992, em Los Angeles, a primeira depois de 25 anos de moratória. Resultado: o número de homicídios aumentou nos oito meses seguintes à execução.

O ensinamento é velho, data de 1764, quando Becaria publicou "Dos delitos e das penas" e registrou "a pena não precisa ser necessariamente severa, sim, justa e infalível". O que inibe, desestimula o crime é a certeza da punição e nunca a quantidade de pena. Há um levantamento citado pelo escritor Luiz Flávio Gomes onde o autor comenta que de 1940 até 2015 mais de 150 leis penais foram aprovadas no Brasil, sendo que em pelos menos 80% delas houve a agravação das penas. Pois bem, nenhum crime teve a sua incidência reduzida. Ao contrário, houve um incremento de todos os tipos penais, principalmente o homicídio. Uma rápida consulta ao portal do CNJ (https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-estatisticas/), mostra que no dia 28 de fevereiro último, havia 213.487 ações penais do júri pendentes de julgamento em todos os Tribunais do país, sendo o homicídio qualificado, de longe, o maior número da estatística. Em relação à violência contra a mulher, vê-se que em 2020 foram concedidas 288.991 medidas protetivas e esse número salta para 557.619 em 2024.

Em maior ou menor quantidade, toda sociedade convive com a violência. A questão que se coloca é como enfrentar o problema. Está provado que o discurso fácil do agravamento da pena não é o caminha mais adequado. Afora o grande sonegador, beneficiado pelo afrouxamento da efetividade das punições e que se vier a ser flagrado, recolherá aos cofres públicos quase a mesma quantia que o vizinho honesto pagou, ninguém que se propõe a furtar/roubar sai de casa fazendo as contas de quanto tempo poderá ficar preso se for mal sucedido. É neste cenário complicado que se discute o aumento da pena para a receptação de celulares e outros eletrônicos que, em alguns casos, poderá chegar a 12 anos de reclusão. Neste patamar, representa o dobro da pena mínima do crime de homicídio simples que é de 6 anos de reclusão. Não se ignora o quanto este crime atordoa qualquer pessoa. Com base em dados da SSP-SP, vê-se que em 2024, 502 celulares foram roubados ou furtados por dia, somente na cidade de São Paulo. O 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública informa que quase um milhão de aparelhos foram roubados ou furtados no Brasil em 2023, o que dá uma média de um roubo/furto a cada 33 segundos. É evidente que surge no horizonte o compreensível clamor popular, logo acompanhado da corrida ao cadinho de onde a fórmula mágica da lei penal mais severa surgirá, trazendo em sua bula a regra palatável e de fácil

convencimento: esta lei mais severa representa a certeza absoluta da punição. Seria muito bom que, mesmo em letras minúsculas houvesse, também, o alerta: este remédio já foi testado centenas de vezes e nunca se mostrou eficaz.

Renato da Silva Filho, procurador de Justiça - MPPE