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As saídas temporárias de presos e os seus efeitos jurídicos

Trabalhando e estudando - além dos benefícios aqui especificados - o condenado reduz o seu tempo de cumprimento da pena, pela remição.....

Por Adeildo Nunes Publicado em 03/04/2025 às 0:00 | Atualizado em 04/04/2025 às 14:04

Quando ocorre um fato aparentemente delituoso - em qualquer recanto do território nacional - o Estado, de logo, interfere, iniciando o processo de persecução penal, mediante a instauração de uma investigação criminal, que é realizada pela Polícia Judiciária (civil ou federal) ou pelo Ministério Público (MP). Concluído o procedimento investigatório, é a vez de o representante do Ministério Público (estadual ou federal), arquivar o procedimento, realizar novas diligência ou, por fim,

oferecer uma denúncia, se presentes a autoria certa e a prova da existência do crime. A peça acusatória ofertada pelo MP é encaminhada à autoridade judiciária competente (juiz ou tribunal), a quem cabe recebê-la ou rejeitá-la. Recebendo-a, estará iniciado o processo penal propriamente dito.

De acordo com o rito pré-estabelecido pelo Código de Processo Penal (aqui estamos nos referindo ao procedimento ordinário, quando a pena for igual ou superior a 4 (quatro) anos), inaugura-se a fase de instrução processual, que consiste na coleta de provas testemunhais, perícias e interrogatório do réu. Encerrada a instrução, a acusação e a defesa podem oferecer as suas razões finais. O processo penal se finda, no Brasil, com a sentença da autoridade judiciária, ora absolvendo o acusado, hora condenando-o nas penas que estão previamente descritas na Lei Penal.

Havendo condenação por sentença judicial transitada em julgado (quando não cabe mais recursos judiciais), principia-se o processo de execução da pena, na Vara de Execuções Penais competente. Enquanto a sentença condenatória tem como finalidade prevenir e reprimir a conduta delituosa, contudo, especificamente sobre o processo de execução criminal, cabe lembrar que os seus fins são diferentes do processo penal. Iniciada a execução da pena de prisão, estando o réu preso e expedida a guia de recolhimento, cabe ao juiz das execuções fazer cumprir a sentença penal condenatória, na forma em que foi proferida, mas, acima de tudo, durante todo o processo executório, será sempre fundamental oferecer ao criminoso os meios necessários para a sua reinserção social, sem mais delinquir, depois de cumprida a sanção penal.

Quando o juiz das Execuções Penais autoriza que o réu progrida de regime prisional (do fechado para o semiaberto, por exemplo), presentes os requisitos da Lei de Execução Penal, certamente o magistrado estará cumprindo o seu significante papel de contribuir para que o réu abandone os ilícitos penais, ademais, é no regime semiaberto que o apenado tem a oportunidade de reaver os seus laços familiares, que fatalmente foram vilipendiados pela sua convivência carcerária quando estava detido em regime fechado.

É no regime semiaberto que o condenado pode ter a oportunidade de trabalhar e estudar fora da prisão, até porque, como é notório, os presídios brasileiros, em sua grande maioria, não oferecem o trabalho e a educação aos seus encarcerados. Com o trabalho, o apenado tem a oportunidade de ser profissionalizado, faz jus a uma remuneração e evita a ociosidade prisional, que é um dos mais graves dilemas carcerários. Sabendo-se que mais de 40% (quarenta por cento) dos 840 mil presos brasileiros são analfabetos, ninguém duvida que o estudo tem tudo para reduzir os índices de reincidência criminal, que tanto contribui para o aumento da criminalidade. Trabalhando e estudando - além dos benefícios aqui especificados - o condenado reduz o seu tempo de cumprimento da pena, pela remição que vier a ser autorizada pelo juiz das Execuções Penais.

Cumprindo a pena em regime semiaberto, com o fim de possibilitar o trabalho, seus estudos e o reencontro familiar, a Lei de Execução Penal, originariamente (1984), autorizou que os reclusos tenham autorização para sair do ambiente prisional, com ou sem vigilância direta, durante 35 (trinta e cinco) dias por ano, as denominadas saídas temporárias. A Lei nº 13.964, que entrou em vigor em 23.01.2020, todavia, proibiu essas saídas quando o condenado houver praticado crimes hediondos. A Lei nº 14.843, de 11.04.2024, acresceu a proibição para os que tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça.

Por preceito constitucional (art. 5º, XL), "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Bem por isso, a proibição para as saídas temporárias para quem praticou crimes hediondos, somente pode ser realizada em relação àqueles que ingressaram no regime semiaberto após 23.01.2020. Pela prática de crimes com violência ou grave ameaça, a proibição só pode incidir para os que entraram no semiaberto a partir de 11.04.2024. O tema, entretanto, está em pauta para julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, mestre e doutor em Direito de Execução Penal, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)