Marcos Meira: 'Entre sentenças e sambas, o juiz que faz da Justiça uma ponte de esperança'
Reunidos para celebrar a posse do Excelentíssimo Desembargador Roberto Machado na Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

Um homem que não reverencia o passado, envelhece mal. E como não pretendo envelhecer precocemente, a memória me cobra – com certo saudosismo – odever de regressar no tempo.
Há exatos 32 anos, em 1993, quando eu tinha 19 anos, tomei posse no cargo de Técnico Judiciário nesse egrégio Tribunal em concurso público realizado pela Fundação Getúlio Vargas. Apenas dois dias antes, meu pai havia sido empossado como Presidente dessa Corte– e a ele faço uma afetuosa reverência.
Regressar a esse espaço, que um dia também foi o meu local de trabalho e onde aprendi valiosas lições que carrego comigo até hoje, é motivo de orgulho.
E o contentamento é ainda maior, porque aqui estamos reunidos para celebrar a posse do Excelentíssimo Desembargador Roberto Machado na Presidência do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Certamente, mais uma data afetiva que a memória não me deixará esquecer e que guardarei com carinho daqui para frente.
Mas não estamos aqui para falar do passado, mas do futuro... possivelmente de um novo tempo, de grandes desafios e também de avanços e conquistas.
Peço licença a todos para dirigir-me diretamente ao empossando, a quem chamarei apenas de Dr. Roberto.
Antes disso, dedico algumas palavras à Silvânia, companheira de todas as horas, e a seus filhos, Roberta, Phelippe e Kaila.
E aqui faço um registro especial do quão afetuosa é a relação de Dr. Roberto com a esposa e os filhos, dois deles não sanguíneos, mas de afeto.
Depois da maioridade, quando já senhor das suas próprias decisões, Phelippe inseriu o sobrenome “Machado” na sua certidão de nascimento, em uma linda homenagem ao pai afetivo.Kailafez questão de que Dr. Roberto a levasse ao altar na cerimônia de seu casamento religioso: sem dúvida, mais uma emocionante demonstração de carinho.
Roberta é advogada e também trilhou o caminho do Direito, assim como Phelippe, que é Procurador da Fazenda Nacional.
Esses exemplos reafirmam a certeza de que a família, para além de relações sanguíneas, é um laço muito mais amplo de amor e de afeto.
Esse acolhimento paternal antecipa algumas características de Dr. Roberto, como a sua generosidade genuína e a sua invulgar empatia com o próximo, qualidades que se projetam para muito além da vida familiar, marcando fortemente também a sua vida profissional.
E esse momento profissional vivido por Vossa Excelência não é apenas a coroação de uma carreira pujante; antes disso, reafirma a confiança que os pares depositam em vossa liderança para guiar essa Casa em seus novos – e também velhos – desafios.
Vossa Excelência, certamente, abraçará essa nova missão com absoluta austeridade na ordenação de despesas e com imensa criatividade no fomento às políticas públicas voltadas ao acesso e à efetividade da Justiça.
Quando titular da 6ª Vara no Ceará, pude conhecer mais de perto o trabalho realizado por Dr. Roberto, nos tempos em que integrei a Corregedoria desse Tribunal, assessorando o hoje Ministro Francisco Falcão, o saudoso Desembargador Geraldo Apoliano e o Desembargador José Maria Lucena.
Desde aquele tempo, já havia testemunhado a qualidade e o zelo que Vossa Excelência dedicava ao exercício da função judicial.
Em 2019, Dr. Roberto, Vossa Excelência recebeu uma das maiores honrarias da Assembleia Legislativa de Pernambuco, o título de cidadão pernambucano, atribuído, segundo constou da justificativa do projeto, em razão “das grandes contribuições ao cenário do Poder Judiciário de Pernambuco, do Nordeste e do Brasil”.
Justíssima homenagem. Hoje, podemos dizer que Vossa Excelência é filho de duas bandeiras: é cearense de nascimento e pernambucano por opção de sua gente. É mais um bravo guerreiro a fazer justiça nas terras da “Nova Roma”.
Ao assumir a Presidência do TRF5, Vossa Excelência traz consigo não apenas a experiência acumulada em décadas de dedicação à Justiça, mas também – e sobretudo – serenidade, sabedoria, experiência e diálogo tão necessários para conduzir essa Corte nesse momento de acentuada turbulência política, de convulsionamento social e de profundas transformações tecnológicas, como, por exemplo, o uso da inteligência artificial, que tem posto à prova conceitos e estruturas tradicionais.
A vossa missão, Dr. Roberto, não será fácil: terá diante de si a tarefa de manter e consolidar as conquistas de seus antecessores e de garantir a estabilidade necessária para outros e novos avanços. Com a colaboração próxima e efetiva da Dra. Joana Carolina e do Dr. Leonardo Resende, certamente, o trabalho logrará êxito pleno.
A verdadeira medida de um homem decorre muito menos de como ele se comporta em momentos de conforto, e muito mais de como ele se mantém em tempos de desafio. Tenho certeza de que Vossa Excelência está pronto para os grandes desafios da Justiça, em um nordeste ainda tão desigual.
Também tenho certeza de que toda dificuldade será encarada por Vossa Excelência com a mesmíssima dedicação, empenho e zelo com que cultua duas outras paixões brasileiríssimas, o samba e o futebol (nesse caso, o Fortaleza Esporte Clube).
O samba ocupa um espaço precioso no vosso reduzido tempo de lazer. Para quem não sabe, Dr. Roberto costuma frequentar rodas de samba no Recife Antigo, o que certamente facilitou sua adaptação à Veneza Brasileira para quem teve que deixar a sua Fortaleza e se fixar na cidade do Recife.
Seguramente, Dr. Roberto ainda não convidou Dr. Agapito para conhecer uma dessas rodas de samba do Recife.
Não raras vezes, o tempo de descanso de Vossa Excelência é dedicado a compor letras de samba, como o que fez em homenagem ao saudoso amigo Martônio Pontes de Vasconcelos, desembargador do TJCE, falecido precocemente alguns anos atrás, que se chama “Amigo Imortal”, em cujos versos escreveu...
“Da morte... eu não sei a moral...
Mas de uma coisa tenho certeza...
Do alto da sua nobreza...
Para mim ele é imortal”.
Muitos dos versos escritos por Dr. Roberto têm a amizade como pano de fundo, que é algo – para ele – inegociável.É absolutamente justo, então, reverenciar os amigos que fez ao longo da vida, o que aqui faço na pessoa do ministro Raúl Araújo, em nome de quem saúdo todos os demais amigos aqui presentes, sejam os de ontem ou os de hoje, sejam os de longe ou os de perto, sem distinção.
Já o amor pelo Fortaleza – eu diria – é uma herança de família. O pai de Dr. Roberto, Moacir Machado, juntamente com os tios Caranã e Juracy, foram jogadores do Leão do Pici, na década de 20, e estão ligados às origens dessa centenária e vitoriosa associação esportiva.
A família Machado certamente está orgulhosa pelo momento atual vivido pelo Clube, que cresce a passos largos para se tornar o maior da região. A propósito, aproveito a oportunidade para parabenizar Vossa Excelência pela vitória do Fortaleza diante do Fluminense, no último final de semana.
Saindo da seara futebolística, lembro-me de um julgamento emblemático relatado por Vossa Excelência, nos autos de uma ação de improbidade administrativa, na qual o prefeito de uma pequena cidade do Rio Grande do Norte estava sendo acusado de não dar destinação adequada a bens recebidos do Governo Federal como ajuda humanitária em razão das enchentes ocorridas no Estado.
Se bem me recordo, os bens chegaram quando a situação emergencial já havia cessado, e o prefeito doou a ajuda federal a uma fundação voltada à promoção e assistência de pessoas carentes. O prefeito acabou absolvido, porque sua conduta foi reputada meramente irregular, não antijurídica a ponto de merecer a pecha da improbidade.
Julgados como esse – e tantos outros – evidenciam a imensidão da vossa sensibilidade, o que, aliada ao notório saber jurídico, fazem de Vossa Excelência um referencial na magistratura.
Vossas qualidades predicam os grandes juristas e os apartam dos meros aplicadores da lei: justamente a capacidade de contextualizar o direito e de aplicá-lo com humanidade, discernimento e temperança.
Vossa Excelência não é apenas a “boca da lei”, expressão cunhada pelos iluministas; não se preocupa em mostrar erudição, nem se utiliza – secamente – dos textos legais e de sua frialdade.
Vossa Excelência julga seus casos com sensibilidade social, com respeito à dignidade do jurisdicionado, sabedor de que ali, por detrás de toda a formalidade do processo, há personagens reais; há uma história concreta; há uma vida à espera de justiça. E a justiça, como nos lembrou Nelson Mandela na sua luta contra o Apartheid, “é a base sobre a qual se constrói a esperança dos povos".
Essa marca – que tão bem define Vossa Excelência enquanto julgador – irá também tisnar a vossa missão de gestor, daqui para frente. Será apenas mais um capítulo – e que capítulo – dessa longa jornada, que começou lá atrás, nas bancas da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, e continua hoje e agora, nesse auditório lotado e tão prestigiado, no ato de celebração de posse como Presidente dessa Corte.
Vossa Excelência sabe o tamanho do desafio que o aguarda. Há muito ainda por fazer, inobstante as conquistas já galgadas até aqui. Vossa Excelência, inclusive, tornou público o desejo – que não é apenas o vosso desejo, mas da própria instituição – de lutar pela ampliação do Tribunal, já que a atual composição, além de reduzida, sequer permite a formação de uma Corte Especial, impondo julgamentos mais demorados do que o necessário, com desprestígio ao valor eficiência e ao dever constitucional de zelar pela razoável duração do processo.
Como essa será – sem dúvida – uma das principais bandeiras da gestão de Vossa Excelência, aproveito a presença aqui do Presidente da Câmara, Hugo Motta, nascido na valorosa Paraíba, um dos Estados que integram a 5ª Região, para encarecidamente, pedir que se engaje, com seu inegável conhecimento e prestígio, nesse projeto que é fundamental para a 5ª Região.
Como bem sabe Vossa Excelência, meu amigo Hugo Motta, mantidas as condições atuais, serão muitas as dificuldades futuras dessa Corte em prestar jurisdição com o nível de excelência que todos esperamos.
Não podemos esquecer que a justiça é uma obra incompleta, em constante processo de concretização. O que era suficiente ontem, torna-se obsoleto hoje, demandando rapidamente outras e novas intervenções.
Como dizia Luther King, "A luta por justiça não é uma corrida de velocidade, mas uma maratona de gerações. Cada passo mantém viva a esperança". E essa esperança não é a convicção de que tudo vai dar certo, mas a certeza de que lutar pela Justiça faz sentido, independentemente do resultado.
Como dizia vosso conterrâneo, Dom Helder Câmara, Dr. Roberto: “Enquanto houver injustiça, haverá luta. Enquanto houver luta, haverá esperança". E os jurisdicionados dessa 5ª Região depositam em Vossa Excelência a esperança de que a luta por um sistema mais justo continuará a sua marcha.
Faço votos a Vossa Excelência – e também aos demais integrantes da nova mesa diretora, Dra. Joana Carolina e Dr. Leonardo Resende – que o próximo biênio seja marcado pelo fortalecimento do Judiciário, pela modernização institucional e, acima de tudo, pela justiça efetiva e acessível a todos. Siga em frente, Dr. Roberto, pavimentando com humanidade o caminho da Justiça, para que todos nós também possamos seguir adiante.
E jamais esqueça que a melhor forma de prever o futuro é criá-lo. Que a liderança de Vossa Excelência inspire confiança e união entre os pares, e que o vosso mandato, como presidente, seja de construção desse futuro de Justiça e dignidade que a gente tanto espera.
Mesmo sem procuração, falo em nome de todos os advogados e advogadas aqui presentes, agradecendo particularmente, ao presidente do Conselho Federal da OAB Dr. Beto Simonete, ao vice-presidente Dr. Felipe Sarmento e à Presidente da OAB/PE Dra. Ingrid Zanela, pela oportunidade de estar aqui dirigindo essas palavras, em nome da Ordem dos Advogados, nesse momento tão especial, para renovar o nosso eterno compromisso – que é também de toda a advocacia – de colaborar efetivamente nesse processo contínuo de construção da Justiça, desejando aos membros da nova mesa diretora um frutífero e abençoado biênio à frente do TRF5.
E eu encerro com trecho de um lindo samba, Dr. Roberto, de Nelson Cavaquinho chamado “Juízo Final”, que poetiza sobre a esperança na reparação das injustiças. A letra diz mais ou menos assim:
“O Sol há de brilhar mais uma vez... A luz há de chegar aos corações...
Do mal... será queimada a semente
E o amor há de ser eterno novamente”.
Que a gestão de Vossa Excelência faça o sol brilhar no coração daqueles que verdadeiramente acreditam e confiam na Justiça.
Muito obrigado a todos.
*Marcos Meira, advogado e Procurador do Estado de Pernambuco. Presidente da Comissão Especial de Direito de Infraestrutura da CFOAB. Membro do Fonaprec. Mestre e Doutor em direito pela PUC/SP.