Gustavo Krause: o futuro é feminino
É bem verdade que houve avanços e conquistas, frutos de uma virtude invencível: a coragem das mulheres. Aliás, uma coragem magnânima

Na origem, a frase é o slogan de um movimento feminista separatista lésbico dos anos setenta, fotografado, em 1972, nos suéteres das parceiras, Cara Delivingne, atriz e modelo, e a cantora Annie Clark, conhecida como St. Vincent. No entanto, a difusão da mensagem foi ampliada como um mote propagandístico da Labyris Books, a primeira livraria de mulheres na cidade de New York. Posteriormente, um clique de Liza Cowan fotografou sua namorada Alix Dobkin postada no Instagram @h_e_r_s_t_o_r_y (1975), dedicado às imagens de lésbicas históricas, que, levou a designer Rachel Berks produzir 25 camisetas com a frase e vendidas em dois dias. Atualmente, parte da venda de camisetas é destinada a ONGs feministas.
A partir de então, o slogan ganhou vida própria, afastando-se do mercado da moda e assumindo um significado político que está contido na carta convocatória para a greve mundial das mulheres em 08 março de 2017 e cujo propósito é “construir [...] um feminismo para 99% [...] um feminismo solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo” (Angela Davis e Nancy Fraser).
No caso específico do movimento de emancipação feminina, estamos diante da mais antiga das opressões sob espessas camadas de violência; da força deletéria dos costumes; de um arcabouço legal permissivo, legitimador da submissão e da exclusão social e política.
É bem verdade que houve avanços, conquistas, fruto de uma virtude invencível: a coragem das mulheres. Aliás, coragem magnânima capaz de estender a mão, conciliar e perdoar. Porém o caminho em direção ao exercício de um papel histórico da mulher ao lado do homem é um percurso longo e sinuoso na competição pelo poder): as mulheres somam 52% do eleitorado brasileiro e, sub- representadas, ocupam 17% dos 513 mandatos de deputados federais; 18% dos 81 mandatos de senadores; duas governadoras em 27 estado. Este quadro se repete nas esferas subnacionais – Estados e Municípios – e em qualquer setor onde está em jogo espaços de poder e a diferença dos níveis de remuneração.
Apesar do avanço sobre a questão da violência (Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio)), em 2024, a cada 17 horas, uma mulher morreu em 9 estados monitorados pela Rede de Observatório da Segurança. Majoritariamente, as vítimas são mulheres pobres e negras.
Porém, em todos os campos profissionais, as mulheres, ora com o exemplo da resistência ou com o ímpeto do desbravamento, têm evoluído sistematicamente. O grande inimigo silencioso, traiçoeiro e covarde é a misoginia, a arma afiada pela aversão ao feminino.
Diante das profundas mudanças da sociedade contemporânea, o fortalecimento da luta das mulheres aponta para uma aliança com os homens dotados de uma energia vital, a “ânima”, espírito dotado de subjetividade, emoções, espiritualidade ampla, intuição, criatividade, imaginação e sensibilidade.
Tem crescido o número de homens dispostos a pensar e agir solidariamente na luta pela igualdade das mulheres. Com o evidente risco da omissão, ressalto dois notáveis pensadores que carregaram dentro de si a visão antecipada do futuro e este futuro era feminino.
No século XIX, a mente aberta do inglês John Stuart Mill (1806-1873) e uma obra fecunda que deram brilho e força ao liberalismo clássico. Ao mencionar a tríade “O Governo Representativo”, “Sobre a Liberdade” e a “Sujeição das mulheres”, harmonizando vários ramos do pensamento liberal, Merquior batizou-a de a “Bíblia Libertária”, uma fortaleza intelectual contra as tiranias da opinião e da
maioria.
Educado por um pai rigoroso, o radical utilitarista James Mill (1773-1836) submeteu o filho ao aprendizado precoce de tal forma que ensinou grego aos três anos; aos oitos, Mill havia lido Platão, Xenofonte e Diógenes; na adolescência, além da leitura voraz, ensinava latim aos irmãos; aos vinte anos “a máquina pensante enguiçou” numa crise depressiva; ao refletir, já adulto, dissera, segundo um dos seus biógrafos: “eu nunca fui um menino”, “cresci na ausência do amor e na presença do medo”.
Pois bem, a carência do afeto foi suprida por uma mulher brilhante Harryet Taylor (1807-1858), com quem durante vinte anos manteve um relacionamento não convencional, porém discreto, vindo a casar dois anos após o falecimento do marido. Por mais que os autores da época teimem em negar a influência de Harriet, ele exaltava sua mente como “um instrumento perfeito” e as firmes convicções que o levaram a se tornar adepto da luta das mulheres e, como parlamentar, defender o sufrágio universal e outras “heresias da época” a exemplo da reforma agrária para solucionar a questão irlandesa e das cooperativas para democratizar a propriedade.
Na transição do século, registro a grandeza e originalidade do pensamento de Domenico De Masi, um amante do Brasil e um crente no nosso futuro. Um ser humano guiado pelo que chamava de “otimismo da razão” foi, assim, descrito por Roberto D’Avila: “Conviver com De Masi, professor por excelência, é aprender com seus exemplos de dignidade e elegância de espírito” (Apresentação de O Mundo ainda é jovem – São Paulo: Vestígio, 2019).
Para ele, a revolução feminina anuncia a mais elevada forma de civilização e explica: “A sociedade industrial nasceu do iluminismo [...] O iluminismo acrescentou que tudo que é racional, é masculino, e se refere à produção e se faz na empresa [...] Tudo que é ruim, ao contrário é emocional e emocional é feminino e feminino se refere à reprodução e a reprodução é feita em casa.
Houve, portanto, uma cisão terrível entre os homens que se atribuíram o poder e o monopólio do trabalho e as mulheres foram deixadas em casa. Mas, hoje, nos damos conta de que as empresas não progridem sem ideias, e isso requer fantasia, subjetividade, estética, emotividade, subjetividade. Quem tem isso são as mulheres. Não é dádiva da natureza. É que nós homens nos descuidamos e as mulheres cultivaram [...] caminhamos para uma sociedade em que a mulher estará à altura dos homens. Isso não acontece por bondade dos homens. As mulheres lutaram para impor essa realidade”.
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco