Viva Marcos Vilaça!!!
Marcos Vilaça nasceu em Limoeiro e em Nazaré da Mata, ao mesmo tempo, isso não se discute. Prova de que já pode ser considerado uma espécie de Deus

VIVA MARCOS VILAÇA!!!
Como reverenciar um homem como Marcos Vilaça?, eis a questão. Talvez não com arrogância, por exemplo indicando ter sido professor em muitos centros, com destaque para a Faculdade de Direito do Recife.
• Nem ter feito conferências em numerosas universidades, no mundo inteiro, de Moçambique a Helsinki.
• Nem ter sido Ministro do Tribunal de Contas da União, em que foi presidente.
• Nem referindo suas 182 condecorações e medalhas, incluindo todas as mais expressivas no Brasil, além de uma dezena de honrarias estrangeiros.
• Nem, por fim, indicado seus 76 livros publicados. Entre os quais cito Em Torno da Sociologia do Caminhão – quando, pela primeira vez, se estabeleceram as implicações sociológicas das migrações no Brasil. Coronel, Coronéis, quando traçou perfil dos interiores de nosso país; num tempo em que a política, tão diferente de hoje, ainda se fazia com engenho e arte. E Itinerário da Corte, pela honra de ter escrito seu prefácio. Sem esquecer os 15 livros publicados no estrangeiro – em português (de Portugal), alemão, espanhol, francês, inglês e italiano.
• Com tantos inacreditáveis títulos, e em palavras de Manuel de Barros (O Livro sobre Nada), “Há histórias tão verdadeiras que às vezes parecem que são inventadas”.
Dizendo isso, e quando nos deixa, prefiro começar pelo começo.
• Marcos Vilaça nasceu em Limoeiro e em Nazaré da Mata, ao mesmo tempo, isso não se discute. Prova de que já pode ser considerado uma espécie de Deus, por ter o dom da ubiquidade. O de estar em dois lugares, ou mais, ao mesmo tempo. Faltando só descobrir a palavra para dizer o que ele é. Talvez Nazareiro. Ou Limomata. Ou coisa parecida.
• Consta que Vilaça falou das duas cidades, e de sua companheira de antes e depois da eternidade, a Ledo Ivo. Dizendo assim: “Amar cidades, várias./ Amar mulheres, só uma”. Maria do Carmo, claro. Mas Ledo se atrapalhou e escreveu (em Recife): “Amar mulheres, várias./ Amar cidades, só uma, Recife”. Acontece.
• Marcos era filho de dona Evalda. Uma dama letrada e ilustre que gostava de usar, quando podia (e era quase sempre), a palavra pletórico. Sem restrições. E muito corretamente. Que de dona Evalda se pode dizer, sem medo de errar, ser mesmo pletórica em tudo.
• E filho do professor Antônio Vilaça. Conta-se que ele, então seminarista, acabou vizinho de dona Evalda em Limoeiro. “O pecado mora ao lado”, como na peça de George Axelrod. Ela jovem, bela, e muito interessada no conversar dele. Dando-se que o professor desistiu ligeiro das vocações religiosas. Trocando a contemplação celeste por uma vida terrena plena. De virtudes e pecados. Muitas e poucos. Entre estes, o de falsificar whisky. Trocando os líquidos (vi com os próprios olhos, como fazia). O que lhe permitia saborear malte escocês transladado para garrafas de Drurys; enquanto seus convidados, coitados, aceitavam as ofertas de Johnnie Walker, em garrafas antes vazias, e agora cheias do líquido nacional. As aparências enganam.
• Já no batismo, seus pais fizeram questão de afirmar o caráter do filho. Marcos Vinicius Rodrigues, como se vê no próprio nome, é um homem plural. E Vilaça, também se vê no nome, é singular. Plural e singular, pois. Múltiplo.
• Vilaça teve, nessa vida, uma trajetória improvável. Que começou nos interiores de nosso Brasil, popular e profundo, para findar em louros acadêmicos. Na Academia Pernambucana de Letras. Na Academia Brasileira de Letras, também. A do fardão majestático. Conta-se até que um taxista, conduzindo Aurélio Buarque de Holanda todo paramentado, não se conteve e perguntou: “Sois Rei?”. Sem esquecer a Academia Portuguesa de Letras. Somos confrades em todas elas; o que, para mim, é um (grande) prêmio.
• Lembro de bilhete que lhe mandei num aniversário do passado:
Vilaça amigo
Ouve o que digo
Tô com saudade
Da mocidade
Da vida rude
Da juventude
Da vida boa
De andar à toa
E da maçada
De fazer nada
Com a indolência
A impertinência
A competência
E a experiência
Dos desenganos
Dos verdes anos.
• Agora findaram seus anos, todos; aqueles do passado, verdes; e os mais recentes, maduros, também. O coração dói, na memória do amigo querido. Saudades dele. Viva Vilaça!!!. E boa maneira de fazer isso é lembrar versos de Mia Couto (em Incertidão de Óbito),
“A vida
É um prematuro sonho.
Só morre
Quem nunca viveu”.