OPINIÃO | Notícia

Otávio Santana do Rêgo Barros: quanto custa a nossa liberdade?

Nymoen acaba de lançar o livro Why I Would Never Fight for My Country e defende que cidadãos comuns não deveriam combater em nome de estados-nação

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 28/03/2025 às 7:00

O podcaster alemão Ole Nymoen, em recente entrevista ao Financial Times, declarou apreciar a liberdade de expressão e outros direitos democráticos conquistados ao longo dos anos em seu país. No entanto, afirmou que não estaria disposto a morrer por eles.

A declaração surpreende, considerando a herança histórica nazista de cassação da liberdade que ainda pesa sobre a sociedade alemã genuinamente democrática.

Nymoen acaba de lançar o livro Why I Would Never Fight for My Country, no qual defende que cidadãos comuns não deveriam combater em nome de estados-nação ou das regras que esses impõem.
Ele aprofunda sua aleivosia: uma ocupação estrangeira pode levar a uma vida de m#####, mas ainda assim prefiro ver o país ocupado a morrer por ele.

Como Nymoen, há uma crescente recusa dos cidadãos alemães em assumir responsabilidades militares e defender os interesses nacionais.

O tema é objeto de debate no mais alto escalão da política alemã. A preocupação é justificável diante da invasão russa à Ucrânia, das ambições expansionistas de Moscou e das recentes declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O novo mandatário americano tem sinalizado um distanciamento das obrigações históricas de defesa da Europa, mesmo sendo, seu país, o principal provedor da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Outro fator de alerta é o perfil dos jovens alemães que poderiam ser convocados para o serviço militar: a chamada Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010).

Crescidos em um mundo digital, conectados permanentemente às redes sociais e habituados à multitarefa, esses jovens demonstram pouco interesse por temas relacionados à defesa e à soberania nacional.
Por décadas, a Europa confiou sua segurança aos Estados Unidos e aos tratados firmados no pós-Segunda Guerra Mundial, como se fosse compromisso inquebrantável o Artigo 5º da Carta da OTAN.
No entanto, o atual cenário geopolítico, instável e em constante transformação, exige novas posturas quanto à defesa dos países europeus.

A Alemanha tem tomado medidas drásticas para fortalecer sua capacidade militar. Desde 2022, o governo destinou 100 bilhões de euros (cerca de 5% do PIB do Brasil) para aquisição e desenvolvimento de armamentos, além de aumentar o efetivo das Forças Armadas de 181.000 para 270.000 militares. Paralelamente, o contingente de reservistas deve crescer de 60.000 para 260.000, uma expansão que busca compensar uma possível redução da presença militar americana na região.

Nesta semana, o parlamento alemão, sob impulso do futuro primeiro-ministro Friedrich Mers, foi além. Rompeu-se uma rigorosa regra fiscal prevista na Constituição Teutônica — e que, por lá, é cumprida à risca — ao autorizar empréstimos de até 1 trilhão de euros para revitalizar a infraestrutura e fortalecer as Forças Armadas.

O debate foi acalorado, mas a proposta obteve rápida aprovação. Diante das críticas, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, rebateu: não estamos vendendo o futuro, como vocês insistem em afirmar em seu zelo religioso pelo controle fiscal. Estamos garantindo que tenhamos um futuro.

Até pouco tempo, tais iniciativas seriam impensáveis, dada a tradicional reticência da população alemã em fortalecer suas forças armadas, reflexo dos traumas deixados pela Wehrmacht.

Pode-se argumentar que revisar diretrizes de defesa neste momento equivale a trancar a porta depois que o ladrão já entrou. Ainda assim, essas medidas representam um grande passo para a dissuasão de ameaças futuras.

Além da Alemanha, países como Polônia, França e Reino Unido também estão redirecionando parte significativa de seus orçamentos para o setor de defesa, inclusive em detrimento de áreas sociais.
Seus líderes compreendem que, sem autonomia para garantir suas soberanias, de nada adianta manter investimentos em outros setores.

Está claro que o modelo de segurança global precisa ser repensado. Os acordos de outrora já não bastam para assegurar a paz.

E nós, por aqui? Imaginando-nos cidadãos responsáveis, qual nossa posição diante desse cenário? Como nossa Geração Z percebe essa realidade?

Na Europa, os países estão reforçando suas defesas contra os “ladrões” de soberania. No Brasil, seguimos com portas destrancadas, debatendo de forma pouco objetiva e ideologicamente enviesada o orçamento da defesa e o papel dos militares.

Quando os “ladrões” de soberania arrombarem a nossa porta, qual o preço que estaremos dispostos a pagar para preservar nossa liberdade? Isso se ainda houver tempo de lutar por ela.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 
 

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