João Alberto Martins Sobral: O dia em que voei no Concorde
Ele tinha o maior alcance de qualquer aeronave supersônica e, até hoje, a frota tem o recorde de maior tempo de voo supersônico de qualquer aeronave

Uma experiência inesquecível eu tive, ao ser convidado pela “British Airways” para fazer um voo no Concorde, avião supersônico que operou entre 1976 e 2003, pela empresa inglesa e pela “Air France”, cada uma com sete aeronaves. Embora apenas 20 Concordes tenham sido construídos, com 14 entrando em serviço regular, eles acumularam um número surpreendente de feitos: o Concorde foi o primeiro avião a ter um sistema de controle de voo fly-by-wire; foi a primeira aeronave comercial a empregar circuitos híbridos; a primeira com controles de motor computadorizados; e a primeira a usar eletrônicos tão extensivamente.
O Concorde tinha o maior alcance de qualquer aeronave supersônica e, até hoje, a pequena frota tem o recorde de maior tempo de voo supersônico de qualquer aeronave militar ou civil. Ele tinha apenas uma classe - primeiro, é claro - e, além de poder cruzar o Atlântico de Londres a Nova York em três horas e meia, as duas companhias aéreas nacionais que o operavam tornavam seu serviço de luxo um ponto de venda tão grande quanto a velocidade.
No embarque, no Aeroporto de Heathrow, em Londres, fui encaminhado para uma sala especial, superluxuosa. Tinha tudo o que se possa imaginar, incluindo banheiro para tomar banho e cosméticos de marcas famosas. A refeição, no meu caso, que embarquei no primeiro horário, um sofisticado café da manhã, era num restaurante cinco estrelas, comandando por um chef estrelado, com toalhas de linho e talheres de prata O traslado para a aeronave era feito em carros Mercedes Benz.
O Concorde era pequeno, apertado, a cabine era como o de uma nave espacial, com apenas 100 poltronas, duas de cada lado do corredor. Luxuosas, mas nada comparável, em conforto, por exemplo, às que podem ser encontradas na primeira classe e classe executiva dos aviões de hoje. Na frente, havia um grande display digital mostrando a altitude em pés e a velocidade em Machs, que chegava a 2.213 km/h (2,04 vezes a velocidade do som). Quando ultrapassava a marca, fazia um estrondo grande e para evitar que fosse ouvido em áreas residenciais, sempre acontecia em cima do oceano.
No interior do avião não se sentia a alta velocidade. Turbulência era uma coisa que raramente o Concorde enfrentava, devido à sua grande altitude de voo. Olhando pela janela podia-se ver claramente a curvatura do globo terrestre. A aeronave era mais rápida que a velocidade de rotação da Terra. Os passageiros, todos elegantemente vestidos, além de serviço de bordo sofisticado, incluindo canapés de caviar, vinhos de safras especiais, recebiam brindes, como a maquete do avião, e até um diploma atestando que tinham voado no Concorde.
O detalhe que mais me chamou a atenção foi que o voo BA 001 decolou de Londres às 9h30 e, depois de três horas e meia, chegou a Nova York às 8h30. Claro que em função das cinco horas do fuso horário. As malas chegaram rapidamente e havia um setor especial para os passageiros passarem pelas autoridades norte-americanas. E tinham um transfer exclusivo para o hotel, em carros de luxo. Tudo não era barato: a passagem Londres-Nova York custava US$ 10 mil (R$ 57 mil, ao preço de hoje). O mesmo valor, hoje, de uma passagem nas poucas empresas que ainda têm primeira classe.
O supersônico da Air France fez, entre 1976 e 1982, a linha Rio de Janeiro-Paris, com pouso técnico em Dacar, duas vezes por semana. Sempre lotados. A despedida foi no dia 31 de março de 1982, levando uma multidão ao Aeroporto do Galeão, para acompanhar a decolagem.
O Concorde esteve uma vez no Recife, em outubro de 1985, trazendo o presidente François Miterrand. Na verdade, dois Concordes, um deles reserva. O avião causou impacto com seu visual, atraindo muita gente ao |6Aeroporto dos Guararapes. O Concorde teve apenas um acidente, em julho de 2000, ao decolar de Paris, matando os 100 passageiros, nove tripulantes e mais quatro pessoas em terra. Três anos depois, o avião deixou de voar, por ter uma operação antieconômica. O derradeiro voo foi no dia 26 de novembro de 2002, quando o Concorde G-BOAF voou de Heathrow para Bristol.
Exemplares dele podem ser vistos nos aeroportos de Paris e Londres, no “Intrepid Sea, Air and Space Museum”, em Nova York e no Museu do Ar e do Espaço em Washington. Um deles, por muitos anos, virou outdoor na Times Square, retirado faz tempo.
Ainda hoje, 50 anos após seu primeiro voo comercial, em 21 de março de 1976, e 23 anos depois de voar pela última vez, o Concorde ainda tem uma aura – a simples menção de seu nome pode causar um certo brilho nos olhos dos fãs dedicados. Foi apenas estético? É nostalgia de um tempo antes de os aviões se tornarem vagões voadores para a maioria dos viajantes? Ou há algo mais?
João Alberto Martins Sobral, editor da coluna João Alberto
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