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Mozart Neves Ramos: Quando os extremos se conjugam

Em particular, chamou a atenção da mídia o aumento percentual de pessoas com idade de 25 anos ou mais com Ensino Superior completo

Por MOZART NEVES RAMOS Publicado em 11/03/2025 às 20:41

Muito recentemente, foram divulgados dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que nos permitiram fazer uma comparação com os de 2000. Em particular, chamou a atenção da mídia o aumento percentual de pessoas com idade de 25 anos ou mais com Ensino Superior completo. Entre os brancos, o crescimento foi de 2,6 vezes, passando de 9,9% em 2000 para 25,8%; nesse mesmo período, a população preta, nessa faixa etária, passou de 2,1% para 11,7% – um crescimento percentual de 5,6 vezes. Apesar disso, ainda há um enorme fosso a vencer no caminho da equidade.

Os dados mostram que houve, de fato, um crescimento de 2000 para 2022 da população brasileira com Ensino Superior completo. Isso, naturalmente, deve ser comemorado, pois promove um impacto importante na distribuição de renda e no crescimento econômico do país – há uma relação direta entre maior escolaridade e maior PIB per capita, que retrata a riqueza de um país. E tanto maior será quanto maior a qualidade da oferta do serviço educacional, tanto na Educação Básica como no Ensino Superior. É nisso que reside a questão que precisamos trazer à tona. Poderíamos ter feito mais? O Brasil poderia ter experimentado um crescimento maior de pessoas com Ensino Superior completo e com mais qualidade?

A resposta pode ser encontrada no recente estudo “Qualidade dos bens públicos e eficiência do gasto no Brasil”, produzido por economistas do Itaú Unibanco, que serviu de tema para a coluna de nosso economista Fernando Castilho deste JC de 7 de março e posteriormente também foi analisado pelo Editorial deste mesmo JC de 09 de março. Fica evidente que o Brasil gasta mal os investimentos dedicados à educação e à saúde, que são bastante significativos perante os de outros países da própria América Latina. De certa maneira, isso não é novidade; outros estudos já apontavam nessa mesma direção. Mas esse estudo faz uma comparação bem interessante com os gastos em educação e saúde de outros países de blocos regionais diferentes, além de uma série de recomendações para que o país possa reverter esse quadro de ineficiência dos gastos públicos.

Esse quadro certamente responde se poderíamos ter feito mais. Fica claro que sem um choque de gestão não vamos resolver o problema educacional brasileiro investindo apenas mais dinheiro nessa área. Tal problema se traduz na baixa qualidade do ensino, que pode ser retratada pelos pífios resultados da aprendizagem escolar e as enormes desigualdades ainda existentes. Por exemplo, os dados do IBGE mostram que, no Distrito Federal, o percentual de pessoas com Ensino Superior completo é de 37% na faixa etária de 25 anos ou mais, enquanto no Maranhão é de apenas 11%– a menor taxa entre as unidades da Federação.

O estudo do Itaú Unibanco pode também, em parte, explicar porque o Brasil não alcançou, tanto no Plano Nacional de Educação de 2000 a 2010 como neste que agora se encerra (2014-2025), o percentual de 33% da taxa líquida de pessoas cursando o Ensino Superior na faixa etária de 18 a 24 anos. Chegamos, após 25 anos de muito esforço, aos 20%. Alguns até perguntam se a taxa de 33% não seria muito ousada. Pode ser – mas digo também que os países vizinhos (Chile, Uruguai e Argentina, por exemplo) já ultrapassaram os 30% há algum tempo. Uma das políticas que ainda nos permitiu chegar aos 20% foi o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), que praticamente não mais existe, pois se mostrou insustentável. Os estudantes não mais desejam ingressar no FIES porque não querem começar a vida profissional com dívidas e com o nome inscrito em órgãos de proteção ao crédito – um sonho que se torna pesadelo!

Enfim, esse cenário, baseado em dados e evidências, revela que, se o Brasil quiser crescer na velocidade desejável, precisa mudar a forma de gerir o dinheiro público. Não é mais possível resolver as questões educacionais com base em “achismos” e sem pessoas devidamente preparadas para tomar decisões assertivas. Colocar numa mesma equação quantidade e qualidade– especialmente quando se trata da educação– passa por aí. Evoluímos, mas poderíamos ter feito muito mais.

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

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