OPINIÃO | Notícia

Otávio Santana do Rêgo Barros: A resposta, meu amigo, está soprando no vento

É uma daquelas obras que se leem de um só fôlego, com linguagem simples, mas profunda, e que induz à reflexão sobre as fases da vida

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 08/03/2025 às 7:00 | Atualizado em 08/03/2025 às 11:54

Há poucos dias, fui presenteado com o livro As Quatro Estações da Alma – Da Angústia à Esperança (Papirus 7 Mares, 2023), escrito pelo filósofo Mario Sergio Cortella e pelo psicólogo Rossandro Klinjey. É uma daquelas obras que se leem de um só fôlego, com linguagem simples, mas profunda, e que induz à reflexão sobre as fases da vida, valendo-se das estações do ano como metáfora.

Cada uma delas – primavera, verão, outono e inverno –, com suas cores mais ou menos vibrantes, ventos mais ou menos intensos, galhos cheios de folhas ou esturricados, frio congelante ou calor asfixiante, é comparada aos ciclos emocionais que vivenciamos.

Cortella destaca que, nestes tempos de tsunamis informacionais, de avalanche tecnológica e de sufocamento da capacidade de reflexão e meditação, é como se as percorrêssemos, todas no mesmo dia, sem tempo para burilar as emoções e absorver os ensinamentos que delas poderiam advir.

Os autores capturam a atenção do leitor ao apresentar duas formas de viver a vida: como turista ou como peregrino. Importa ressaltar que eles não criam estereótipos do tipo “um é mau e o outro é bom”.
O turista é aquele que passa pela vida de forma superficial, buscando experiências momentâneas e conforto a todo custo, sem se aprofundar, comprometer-se ou responsabilizar-se pelo que ou por quem o rodeia. Diríamos, um hedonista.

Já o peregrino encara a vida como uma jornada de aprendizado e transformação. Ele não se incomoda com os desafios naturais do caminho, reflete sobre suas experiências e cresce tanto com as vitórias quanto com os fracassos. Diríamos, um estoico.

Diante do mundo distópico em que vivemos vejo a necessidade de aprofundar as questões mais desafiadoras que emergem do universo de turista e peregrino.

Hoje, ser descolado, como o turista, ou aprendiz, como o peregrino, parece importar pouco nas relações interpessoais. O que realmente conta é ter razão. E, infelizmente, essa postura se acirra dia a dia.
Cada um de nós, seja turista ou peregrino, deveria escutar atentamente a canção Blowin' in the Wind, de Bob Dylan:

“Quantas estradas um homem deve percorrer pra poder ser chamado de homem?
Quantos oceanos uma pomba branca deve navegar pra poder dormir na areia?
Sim e quantas vezes as balas de canhão devem voar antes de serem banidas pra sempre?

A resposta, meu amigo, está soprando no vento
Sim e por quantos anos uma montanha pode existir antes de ser lavada pelos oceanos?
Sim e por quantos anos algumas pessoas devem existir antes de poderem ser livres?
Sim e quantas vezes um homem pode virar a cabeça e fingir que ele não vê?
A resposta, meu amigo, está soprando no vento
Sim e quantas vezes um homem deve olhar pra cima antes de conseguir ver o céu?
Sim e quantos ouvidos um homem deve ter pra poder conseguir ouvir as pessoas chorarem?
Sim e quantas mortes serão necessárias até ele saber que pessoas demais morreram?
A resposta, meu amigo, está soprando no vento.”

Em sua obra Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago antecipou essa fragilidade que nos impede de enxergar com nossos próprios olhos as transformações do mundo contemporâneo.

“Nesse ter sempre razão”, vivemos uma verdadeira pandemia de “cegueira branca”. Uma cegueira que expõe tanto o melhor quanto o pior da natureza humana. Uma cegueira ética e moral que adoece a sociedade.

Na trama, a ferocidade dos grupos rivais reflete um comportamento irracional, potencializado quando o controle social desaparece e eles, presos em alojamentos pútridos, são expostos aos seus próprios instintos (o mundo digital não se parece com isso?).

Voltemos à realidade, diante desse cenário atual, o que nos resta por escolha? A superficialidade do turista ou a resiliência do peregrino? Ou ainda, sermos apenas um passageiro de uma nave com um piloto automático em pane?

Se vivemos em um mundo onde a cegueira ética obscurece o discernimento e fragiliza os laços humanos, talvez a resposta esteja soprando no vento, como sugere Dylan. Mas, para percebê-la, é preciso estar disposto a ouvir e sentir.

*Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 
 

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