Clóvis Cavalcanti: 'As várias faces do Carnaval de Olinda'
Em certo momento, apareceram os detestáveis camarotes, que nada têm a ver com uma festa do povo. Camarote é para elite, para novo rico deslumbrado

Possuo enorme admiração pelo carnaval olindense, tendo aproveitado todos, desde 1979 até 2024. Seguramente não vejo melhor lugar para ir no carnaval do que Olinda. Em 1979, nós, moradores, conseguimos banir os carros do Sítio Histórico, trabalho que foi executado pela associação e assumido pela prefeitura, oficialmente, em 1980.
Carro nas ruas da Cidade Alta não faz o menor sentido. Muito menos, o som mecânico que muita gente coloca, interferindo na melodia deliciosa dos blocos e troças de frevo, com suas orquestras de metais.
Em 2001, a prefeitura impôs regras para as músicas destoantes que muitas barracas de venda de comida ou gente que aluga casas para o carnaval no Sítio Histórico gostavam de ouvir e queriam obrigar a todos a adotar o mesmo gosto.
Em certo momento, apareceram os detestáveis camarotes, que nada têm a ver com uma festa do povo. Camarote é para elite, para novo rico deslumbrado, para admiradores de uma indigente cultura comercial.
Em Olinda, o que empolga mesmo é o Hino de Elefante, por exemplo, ou frevos de rua imortais como Vassourinhas. Ou ainda frevos-canção como os de Capiba e de intérpretes como Ed Carlos.
Todo mundo canta e delira com “Último Regresso”, de meu primo Getúlio Cavalcanti. Esse é o mundo de um carnaval “imortal, imortal”, como diz o hino do estado, que as orquestras de frevo executam e a multidão explode cantando.
Daí por que a transformação do Parque Memorial Arcoverde em território de um carnaval que nada tem a ver com a folia de Olinda ofende os brios daqueles que possuem um rubro veio.
Parque, por outro lado, em qualquer lugar do mundo, é espaço da cidadania e não sofre deformações nunca. Aqui, começou-se desgraçando o Memorial Arcoverde para as exibições do Cirque du Soleil há quinze anos.
Em todo lugar do mundo, parques urbanos são conservados para que prestem bons serviços. Na verdade, a cidade, como ecossistema artificial, não dá possibilidades como as que a natureza oferece para bem-estar humano.
Sem contar que, com o verde, os parques contribuem para uma função importantíssima do meio ambiente: retirar carbono da atmosfera. Daí que, quanto mais ampla a oferta nas cidades de áreas arborizadas e propícias ao contato indispensável com a natureza, tanto mais qualidade de vida para todos. Diante dessa constatação, parece absurda a destruição que se processa no parque Memorial Arcoverde, em Olinda.
Inventaram um carnaval no Memorial Arcoverde que é completa aberração, além de impedir que o parque que ali deveria existir cumpra sua missão.
Que cidade graciosa do mundo abdicaria de seu patrimônio para ter um evento em seu território que causa violência aos valores que ali se cultuam? Esse carnaval vulgar ocasiona um apartheid econômico e cultural, dificultando o acesso e saída de Olinda.
O parque deve ser do povo e coberto de vegetação, como o Central Park, em New York, o Hyde Park, em Londres, o do Aterro do Flamengo, no Rio. Que a prefeitura de Olinda entenda isso e dê vigor maior ao carnaval único e maravilhoso de Olinda. Nas ladeiras e becos dessa cidade encantadora.
Clovis Cavalcanti, pesquisador Emérito da Fundação Joaquim Nabuco, aposentado; Professor da UFPE, aposentado; Presidente de Honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (EcoEco) e membro da Academia Pernambucana de Ciências.