OPINIÃO | Notícia

Sérgio Buarque: é isso um acordo de paz?

Concorrente na disputa pela hegemonia geopolítica, Estados Unidos e Rússia negociam a repartição de uma nação europeia, como fizeram no passado

Por SÉRGIO C. BUARQUE Publicado em 26/02/2025 às 7:00 | Atualizado em 26/02/2025 às 8:25

Donald Trump e Vladimir Putin estão negociando a divisão da Ucrânia. A Rússia fica com a parte do território do Donbass já ocupado pelas tropas russas, e os Estados Unidos não ocupam o território, mas se apropriam das reservas de terras raras da Ucrânia.

Com outro formato, adequado à época, os dois presidentes estão tentando reeditar, 85 anos depois, o Pacto Germano-Soviético (1939), acordo de não agressão assinado por Hitler e Stalin que continha um protocolo secreto autorizando a Alemanha nazista e a União Soviética a invadirem e dividirem a Polônia.

No mês seguinte à assinatura do pacto, as tropas nazistas atacaram e ocuparam parte Oeste do território polonês enquanto a União Soviética avançava no Leste para dominar outro pedaço da Polônia.

Desde então, passando pela Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazismo, o mundo mudou radicalmente, a União Soviética desmanchou no ar, a guerra fria acabou e uma nova configuração de nações emergiu com regras de garantia da soberania territorial.

O expansionismo autoritário e a disputa por poder

No entanto, o expansionismo autoritário emerge outra vez dos dois lados do Atlântico. A invasão da Ucrânia pela Rússia demonstra que Putin tem o sonho da restauração do poderio dos impérios russo e soviético no leste da Europa.

Enquanto isso, os Estados Unidos, sob a presidência Donald Trump, uma espécie pós-moderna de Adolf Hitler, ameaçam o mundo com pretensões hegemônicas e expansionistas, recorrendo a ameaças e chantagens para aumentar seu poder e o controle do planeta.

Em relação à Ucrânia, Trump já afirmou que não existem chances de acordo de paz sem que o país invadido ceda parte do seu território ao invasor, ao mesmo tempo em que cobra do governo ucraniano o “pagamento” de 500 bilhões de dólares de ajuda militar concedidos pelos Estados Unidos (nem foram 500 bilhões nem foram empréstimos) e o domínio sobre ao menos 50% das terras raras depositados no território ucraniano. Em certo momento, Trump chegou a sugerir que o território da Ucrânia poderia “ser russo algum dia”.

Concorrente na disputa pela hegemonia geopolítica, Estados Unidos e Rússia negociam a repartição de uma nação europeia, a Ucrânia, como fizeram, no passado, a Alemanha nazista e a União Soviética repartindo o território polonês.

Se trata, em última instância, da repartição entre eles das enormes reservas de minerais estratégicos da Ucrânia, grupo de 17 metais fundamentais para as atividades de alta tecnologia e fundamentais para manufatura de ímãs de alta performance, motores de veículos elétricos, sistemas de mísseis, indústria espacial e armamentista, celulares e outros eletrônicos.

O interesse econômico por minerais estratégicos

A Ucrânia detém reservas de 22 dos 34 minerais identificados pela União Europeia como críticos, tem a maior reserva de titânio da Europa, componente essencial para a indústria da aviação comum e espacial, e a maior concentração de lítio da Europa, componente vital para baterias, cerâmica e vidro.

Os Estados Unidos são muito dependentes de importações da China (importam 80% dos insumos usados na indústria estadunidense), o maior produtor de terras raras e seu principal adversário na disputa hegemônica global.

Por outro lado, como cerca de 40% destas reservas estão em territórios dominados pela Rússia na região do Donbass, a divisão do território ucraniano entre os dois países concederia aos russos o acesso a grandes reservas de materiais estratégicos.

De acordo com o jornal The Telegraph, que teve acesso à proposta de Trump, para apoiar a Ucrânia o presidente dos Estados Unidos exige o direito sobre os “recursos minerais, recursos de petróleo e gás, portos, outras infraestruturas”, 50% de todas as receitas que a Ucrânia obtenha ao extrair recursos naturais e ainda 50% do valor financeiro de “todas as novas licenças emitidas a terceiros”.

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O jornal interpreta as intenções de Trump como uma colonização econômica da Ucrânia, um país aliado que foi invadido e que teria de pagar pela ajuda militar recebida dos Estados Unidos (que ameaça suspender se os ucranianos não aceitarem as bases do acordo com a Rússia).

Em vez de se espelhar no Plano Marshal que os Estados Unidos lançaram depois da Segunda Guerra Mundial, apoiando a recuperação da Alemanha destroçada – o país agressor da época - Trump prefere agora punir o país que foi invadido e que sofreu grande destruição pelas tropas russas se apropriando de parte da economia do país.

Ao contrário da Rússia invasora indenizar a Ucrânia por esta destruição (das cidades e da infraestrutura), Trump pretende aproveitar a guerra para saquear o país invadido.

 

Acordo de paz ou caminho para novas guerras?

A negociação de um acordo com a Rússia – que invadiu, destruiu e ainda ocupa parte do território da Ucrânia - sem a participação dos próprios ucranianos, é um grave atentado ao direito internacional e ao bom-senso diplomático.

No fundo, o presidente Trump pretende assinar um acordo com Putin para dividir a Ucrânia - como Hitler e Stalin fizeram na Polônia – os Estados Unidos ficam com as grandes reservas de minerais estratégicos e a Rússia anexa um terço do território ucraniano. É isso um acordo de paz, ou a antessala de novas guerras na Europa?

Sérgio C. Buarque, economista

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