Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: A PET 12.100/STF e o paradigma alemão
Com 34 pessoas acusadas e quase trezentas páginas, a PGR, no último dia 18/2, protocolou perante o STF petição referente a suposta maquinação golpista

Na Alemanha pós-Segunda Guerra, o Tribunal Constitucional adotou medidas essenciais à proteção da democracia contra ameaças internas a exemplo do nazismo. Baniu, inclusive, partidos políticos extremistas. O Parlamento alemão, dia desses, fez igual. Passou reforma da Lei Fundamental visando proteger dito Tribunal exatamente de “interferências políticas”. A Europa vem se acautelando. Estará o Brasil a atravessar desafio semelhante?
Penso em certa medida que sim. E explico. Estamos ainda na etapa da denúncia, que no processo penal é inaugural da ação penal pública. Ainda haverá a instrução. A denúncia sozinha não prova culpa, ela a imputa. Se dita peça, privativa do Ministério Público, não estiver amparada em mínimo suporte probatório, deve ser rejeitada. É o que manda a legislação.
Com 34 pessoas acusadas e quase trezentas páginas, a Procuradoria Geral da República, no último dia 18/2, protocolou perante o STF a Petição (Pet) 12.100, referente a suposta maquinação golpista que teria tido por objetivo suplantar o resultado da eleição presidencial de 2022. É do senso comum que a mera propositura da denúncia não torna ninguém um criminoso, o que só se dá diante do trânsito em julgado de sentença condenatória (quando não mais comporte ela recurso para modificá-la). E isso seja quem for o réu.
O ex-Presidente Bolsonaro (hoje inelegível) é destinatário de imputações graves, que envolvem tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Não é pouca coisa, somadas as penas máximas em tese. No entanto, é preciso temperança nas primeiras avaliações. Menos fuzuê. Primeiro porque ser acusado não é ser culpado. Segundo porque a Imprensa não é revisora das decisões judiciais, nem as redes sociais o são.
Uma denúncia, mesmo extensa, pode demonstrar ou não a sua tese acusatória. Tudo depende de uma soma de variáveis: desde a capacidade argumentativa de quem acusa à sagacidade de quem defende ao discernimento de quem julga, além da instrução processual. A isso se chama devido processo legal.
No relatório que fecha o Inquérito que conduziu, precursor da denúncia em tela, a Polícia Federal afirma que identificou indícios de autoria criminosa a partir de diligências que levaram dois anos. Seriam evidências hauridas de quebras de sigilo, colaborações premiadas e buscas e apreensões. Portanto, ao menos em princípio, não há como dizer que se trate de apuração baseada em “hearsay”.
A quadra histórica convoca, enfim, à maturidade. Os palanques devem ser desarmados. Nem a simples denúncia autoriza movimentos hostis ao Sistema de Justiça, nem as Instituições conseguem funcionar sadiamente inventando-se mártires, nem se tiverem as suas atuações sob suspeita sem provas. Em paralelo, é preciso intensificar, até pela experiência passada, a intangibilidade de certas premissas, entre elas a da democracia.
O acusado pode ser inocente ou culpado, mas sob hipótese alguma a democracia deve estar refém de relativizações. Ou introjetamos mentalmente isso ou vamos terminar eternamente desconfiados do “guarda da esquina”.
A Nação anseia por distensionamento, não só nos estádios esportivos. Não é impossível, só complexo. Na esfera judicial, os sujeitos do sistema precisam atuar para que responsabilidade penal não se estabeleça por critério objetivo ou eliminação de possibilidades, assim como para reafirmar que ninguém pode se arvorar no direito de invocar as liberdades democráticas para sabotar a própria democracia.
Que o juízo natural da causa tenha as condições de exercer seu mister de decidir, assim como a acusação o seu desiderato de acusar e a defesa o seu papel de defender, para que depois tudo não se perca nas brumas de um processo kafkiano. E, aos culpados, o peso da lei. Não há como ser diferente.
Parece obviedade, mas se não é escolha do cidadão, e sim dever, observar a Constituição, também não é discricionário resistir a cumprir o due process of law. Este, por sua vez, tornando-se mero espetáculo, perde sua essência, e aí fracassamos todos, não importa o time político. Faça-se por onde que a isso não se chegue, sob a inspiração da moderna jurisdição constitucional alemã.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado