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EUA: equilibrando-se no fio da navalha

Muitas vezes o que parece loucura nas relações internacionais mais tarde é celebrado como inspiração de estadista. Outras, é loucura mesmo.

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 08/02/2025 às 0:00 | Atualizado em 08/02/2025 às 8:51

Ao longo da história, o sucesso de uma nação tem sido determinado por sua capacidade de projetar poder, adaptar-se às transformações e manter um propósito claro diante dos desafios.

Contudo, a busca desenfreada por uma liderança inconteste pode se tornar um veneno mortal, corroendo nações que ignoram seus limites.

Paul Kennedy, em Ascensão e Queda das Grandes Potências, analisou o período do século XV até o final do século XX, demonstrando que as grandes potências sustentavam a ideia de que o poder militar deveria estar proporcionalmente alinhado aos recursos financeiros. Quanto maior a riqueza, maior o poder.

Todavia, à medida que se enfraqueciam, esse equilíbrio se rompia, levando-as a ampliar os investimentos militares para conter a perda de influência e evitar a ascensão de adversários.

Dessa análise, surgiu o conceito de "Sobrecarga Imperial", que descreve o momento em que uma potência não consegue mais sustentar suas responsabilidades em face da exaustão econômica provocada pelos gastos militares.

O mundo observa apreensivo o segundo mandato de Donald Trump na presidência dos EUA. As estruturas de governança global enfrentam dificuldades para compreender as mudanças naquele país. Enquanto os governos tentam se adaptar, surge a dúvida: os paradigmas tradicionais das relações internacionais ainda se aplicam?

A hegemonia americana foi moldada em um mundo interdependente, estruturado sob sua influência e marcado pela imposição de seu estilo de vida ao planeta. A Segunda Guerra Mundial consolidou os EUA como a potência dominante. No campo econômico, emergiram fortalecidos, enquanto Europa e Ásia estavam devastadas. O fato de seu território não ter sido palco de batalhas permitiu uma rápida conversão da infraestrutura industrial militar para a produção civil no pós-guerra.

O Acordo de Bretton Woods consolidou o dólar como moeda de reserva global, enquanto a criação do FMI e do Banco Mundial definiu os rumos do capitalismo internacional. O Plano Marshall, além de viabilizar a reconstrução da Europa Ocidental, garantiu a influência política e econômica dos EUA na região.

Quase meio século depois, tudo parecia confirmar a tese do "fim da história", proposta por Francis Fukuyama. A queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética foram vistas como "a pá de cal" contra o sistema que desafiava a hegemonia ocidental. No entanto, a celebração prematura da vitória do liberalismo logo se revelou chuva de verão.

A virada do século reacendeu a polarização global, impulsionada pela ascensão da China, enquanto o prestígio americano começava a ser questionado. As guerras voltaram a ser instrumento de imposição da vontade de um Estado sobre outro, a tecnologia de ponta deixou de ser monopólio dos EUA, os gastos militares se tornaram exorbitantes e o dólar passou a enfrentar desafios para manter sua supremacia.

A percepção de declínio do império ganhou força, tanto entre as lideranças políticas quanto na população. Trump soube explorar essa insatisfação, consolidando um movimento político sob a bandeira Make America Great Again.

Essa nova orientação sugere um fechamento seletivo dos EUA ao livre comércio, o abandono de antigos parceiros comerciais e militares e a restrição ao intercâmbio cultural. Paradoxalmente, um revisionismo da ordem mundial criada e explorada pelos próprios EUA.

Duas questões surgem então:

- os EUA perceberam que estavam indo além de suas possibilidades econômicas devido à extensão de seus compromissos estratégicos, enfrentando, assim, sua própria "Sobrecarga Imperial"?

- Após mais de meio século de hegemonia baseada no poder econômico, cultural, tecnológico e, sobretudo, militar, mudaram seu foco de interesses globais para questões regionais e específicas?

Parafraseando Bismarck, as grandes potências viajam no "rio do tempo", que não podem "criar nem dirigir", mas no qual podem "manobrar com maior ou menor habilidade e experiência". O desfecho dessa viagem dependerá, em grande parte, da prudência de seus governantes.

Muitas vezes o que parece loucura nas relações internacionais mais tarde é celebrado como inspiração de estadista. Outras, é loucura mesmo.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Resereva

 

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