O que é a anistia? (1)
Carta de 1988 proíbe a concessão da anistia para aqueles que tenham comedido crimes hediondos (graves), tráfico de drogas, terrorismo ou tortura.

Nos últimos tempos, muitos rumores ecoam sobre a possibilidade da aprovação de um projeto de lei de anistia, beneficiando muitos daqueles que participaram dos terríveis episódios que culminaram com a depredação das sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, numa inesquecível tarde de 08.01.2023. Considerando a importância histórica daqueles acontecimentos, que estremeceu a democracia brasileira, a partir de hoje teceremos alguns comentários sobre o perdão do Estado, pela anistia.
Guilherme de Souza Nucci define a anistia como sendo "a declaração feita pelo Poder Público, através de lei, editada pelo Congresso Nacional, de que determinado fato, anteriormente considerado criminoso, se tornou impunível por motivo de utilidade social. Volta-se, primordialmente, a crimes políticos, mas nada impede a sua aplicação a outras infrações penais" (Leis penais e processuais penais comentadas, 2015. p. 371), enquanto Maurício Kuehne conceitua o instituto "como a extinção de todos os efeitos penais decorrentes da prática do crime, referindo-se, assim, a fato e não a pessoas. Pode ser concedida antes ou depois do trânsito em julgado da sentença condenatória, beneficiando todas as pessoas que participaram do crime ou excluindo algumas delas, por exigir requisitos pessoais. Pode, ainda, exigir a aceitação de obrigações por parte do condenado ou impor qualquer restrição. É possível, também, na anistia, incluir todos os crimes conexos com o principal ou excluir algumas dessas infrações" (indulto natalino, 2005. p. 27)
O instituto da anistia, sabe-se, existe desde os primórdios da Grécia antiga, principalmente em decorrência dos constantes e graves acontecimentos político-sociais, como lutas, atos de rebeldias, conflitos internos e externos. Há quem afirme que o perdão pela anistia vinha sendo concedida desde Solon (594 Ac). A história conta que em Roma, Cícero conseguiu do Senado, sob a invocação de conteúdo político da conduta de alguns réus, a anistia para aqueles que tiraram a vida de Júlio Cezar. Nos Estados Unidos, Lincoln e Johnson anistiaram muitos dos revoltosos da Guerra de Sucessão.
No Brasil, muitas anistias foram decretadas desde o regime imperial. Por ela foram beneficiados os revoltosos de Farrapos, no Rio Grande do Sul (1840) e os envolvidos na Revolução Praieira, em Pernambuco (1849), por exemplo, cuja clemência foi estipulada por D. Pedro I, com base na Constituição de 1824, no exercício do Poder Moderador. Como se observa, na vigência da Constituição Brasileira de 1824, era de competência do Imperador a prerrogativa para decretar a anistia.
Depois de proclamada a República, em 1891, a anistia passou a ser de competência exclusiva do Congresso Nacional. Em 1895, com a Lei nº 310, houve uma anistia ampla e irrestrita, beneficiando todos os revoltosos contrários à República, mas a redação conferida à lei causou enormes celeumas, daí porque, em 1916, uma nova lei foi aprovada (nº 3.178), no afã de abolir todas as dúvidas geradas com a Lei de 1895.
Pelo Decreto nº 19.395, de 08.11.1930, foi concedida uma anistia ampla e irrestrita, abrangendo todos os crimes políticos e militares, àqueles que de uma forma ou de outra tenham atuado contra a Revolução de 1930. Do Governo Provisório de 1930, até a promulgação da Constituição Federal de 1934, muitos criminosos primários que haviam praticado crimes de resistência, desacato, lesões corporais culposas, porte ilegal de armas, vadiagem e desobediência, viram-se anistiados pelo então presidente Getúlio Vargas.
Durante o regime militar iniciado em 1964, entretanto, foi no governo de Ernesto Geisel (1974-1978), que o Brasil passou a pugnar por uma abertura política, sendo ela complementada na presidência do General João Batista Figueiredo (1979-1985), que submeteu ao Congresso Nacional um projeto de lei de anistia, finalmente transformado em lei (Lei Federal nº 6.683/79), cuja regulamentação deu-se através do Decreto nº 84.143, de 31.10.1979.
Com a vigência da Carta Outorgada de 1969, a competência para tratar da anistia passou a depender de iniciativa do presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional. A referida Carta, porém, autorizava, ademais, que o presidente da República pudesse exercer o veto, parcial ou total de eventuais leis aprovadas pelo Congresso Nacional, nesse sentido.
Aprovada a Constituição Federal de 1988, no Ato das Disposições Transitórias, deu-se uma ampliação da anistia concedida em 1979, fazendo retroagir o perdão a 18.09.1946, data da promulgação da Constituição Federal de 1946. O que é certo é que a Carta Magna de 1988 proíbe a concessão da anistia para aqueles que tenham comedido crimes hediondos (graves), tráfico de drogas, terrorismo ou tortura.
Na próxima semana continuaremos com o assunto.
Adeildo Nunes, juiz de Direito, professor da pós-graduação em Direito do Instituto dos Magistrados do Nordeste (IMN), doutor e mestre em Direito de Execução Penal, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)