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Otávio Santana: como é difícil dizer não

Nesse cenário, dizer e aceitar "não" deixa de ser um ato de poder e passa a ser uma arte de vida, de sobrevivência — a arte de preservar relações....

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 01/02/2025 às 0:00 | Atualizado em 10/02/2025 às 7:08

Com o passar dos anos, começamos a refletir mais constantemente sobre o futuro que nos aguarda.

Pensamos em como criar uma rede de proteção confiável que cuide da nossa saúde, como resgatar perdas emocionais passadas, como construir novas relações de amizades e, não menos importante, como discordar de pontos de vistas sem ferir o outro.

Essa é a questão que trago para reflexão hoje, caro leitor.

A dificuldade de dizer "não"

Mais recentemente, tenho enfrentado a difícil tarefa de aprender a dizer "não".

Sinto um grande desconforto ao oferecer uma opinião contrária, temendo que o interlocutor se afaste ou se indisponha comigo, antes mesmo de discutirmos as ideias em si.

Acho que estou cansado de ter razão, melhor ser feliz.

Alguém pode se perguntar: mas você não é militar? Em sua profissão, dar ordens não é algo rotineiro? "Manda quem pode, obedece quem tem juízo"?

De certa forma, era assim no passado. Sou de uma geração que o "não" era dito sem pruridos.

Mas as relações interpessoais e sociais mudaram significativamente, a meu ver, para melhor. É preciso aprender a escutar tanto quanto falar.

Os dispositivos eletrônicos, agora inseparáveis de nossas rotinas, romperam barreiras de comando no quartel e mudaram dinâmicas familiares e organizacionais.

Importância do diálogo

As informações chegam instantaneamente às telinhas, antes mesmo que pais de famílias ou líderes fardados possam organizá-las ou interpretá-las.

A comunicação, antes linear e unidirecional, tornou-se matricial, misturando planos horizontais e verticais, inserindo-nos em múltiplas dimensões. Essa realidade exige mudanças tanto no quartel quanto na família.

No ambiente militar, os chefes precisam se equipar para a batalha das narrativas com ferramentas filosóficas, naturalmente de viés moderno, para reafirmar valores e tradições.

E, nesse processo, incorporar a flexibilidade como sua principal aliada.

Na família, os pais enfrentam o desafio crescente de orientar os filhos em um contexto em que o poder patriarcal tradicional está em declínio. Qual será o novo cenário?

As pessoas - crianças ou adultas - não aceitam mais um "porque sim" ou "porque não" como resposta. Querem justificativas que, dentro de suas realidades, validem o que lhes é dito.

Flexibilidade

Voltando à minha dificuldade em dizer "não": sempre fui um pai presente e amoroso, e um comandante atento, mas não "caxias".

Conseguia convencer meus filhos e subordinados com certa facilidade. Minha filha costumava dizer sorrindo: "pai, você sempre me convence."

Hoje, pergunto-me se ainda teria a mesma eficácia em lidar com eles. Será que, ao dizer "não", os argumentos seriam compreendidos imediatamente? A resposta é: provavelmente não.

O "não", antes visto como imposição inconteste, agora precisa ser negociado, contextualizado e, muitas vezes, suavizado.

Dizer "não" exige coragem moral, mas também inteligência emocional e habilidade de comunicação.

Precisamos aprender a discordar de forma respeitosa e construtiva, criando espaço para o diálogo - espaço de ser feliz - em vez de impor barreiras, tão somente para evitar expor-se, mostrando eventuais fraquezas.

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Adaptando algumas ideias de Sun Tzu, ele poderia ensinar aos seus generais que deveriam montar suas estratégias pensando na rigidez do ferro de suas espadas, mas deveria empregar suas tropas com a flexibilidade do cânhamo que tecia suas roupas.

Para nosso contexto, precisamos de equilíbrio entre firmeza e flexibilidade nas interações e decisões. Não abdicar de seus códigos de honra, mas estar consciente que o seu interlocutor também os possui.

E saber que se a sua opção é a única que você admite, não é opção, é imposição.

Nesse cenário, dizer e aceitar "não" deixa de ser um ato de poder e passa a ser uma arte de vida, quase de sobrevivência — a arte de preservar relações, organizacionais e familiares, pensando tão somente em somar.

Otávio Santana de Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

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