Adeildo Nunes: o uso da força pelos órgãos de segurança pública (3)
Regulamentar a integração definitiva entre os órgãos de segurança pública foi importante para implementar uma nova Política Nacional de Segurança

Já vimos que foi o Decreto Presidencial nº 12.341, de 23.12.2024, quem efetivamente regulamentou as Leis nºs 13.060/2014 e 13.675/2018, relativamente ao uso da força pelos agentes da segurança pública, bem como no que tange ao seu funcionamento e à sua organização.
Tratando-se de um instrumento normativo Federal, sabe-se que o Decreto Presidencial tem validade em todo território nacional, embora a responsabilidade pela segurança pública, no Brasil, seja dividida entre:
- União (polícia federal, rodoviária federal, federal penal e a polícia ferroviária federal);
- Estados-membros (polícia civil, militar, corpo de bombeiros e penal);
- Municipal (guardas civis).
A verdade é que todos os entes, indistintamente, estão subordinados ao Decreto Federal, enquanto não houver reparação pelo Supremo Tribunal Federal, em controle de constitucionalidade ou Decreto Legislativo pelo Congresso Nacional.
Capacitação
Em complementação aos nossos comentários anteriores, vale acrescentar que a atual Política Nacional de Segurança Pública, introduzida pela a Lei nº 13.675/2018, agora regulamentada, exigiu que os responsáveis pela segurança pública devem capacitar todos os seus profissionais sobre o uso da força policial.
Que deve fazê-la com periocidade anual, durante o horário de serviço e adotando conteúdo programático que aborde procedimentos sobre o emprego adequado de diferentes tipos de armas de fogo e de instrumentos de menor potencial ofensivo (não letal).
Lado outro, para este mister, a matriz curricular aplicada deve ser aquela estabelecida nas Leis nºs 13.060/2014 e 13.675/2018, além daquela que está expressamente definida no Decreto nº 12.341/2024.
Responsabilidades
Com o Decreto 12.341/2024 - pela primeira vez na história legislativa brasileira - o ato normativo fez a separação entre as obrigações e responsabilidades da União e dos Estados, inovando, sobremaneira, porque antes do Decreto não havia regra jurídica definindo os deveres de cada um dos entes públicos.
Neste aspecto, o Decreto, de uma vez por todas, estabeleceu quais as responsabilidades objetivas de cada um dos entes públicos, facilitando, portanto, a atuação e as funções da União e dos Estados, na difícil missão.
Atribuições da União
Restou deveras definido, com o Decreto, que cabe à União, através do Ministério da Justiça e Segurança Pública, dentre outras atribuições:
- a) Financiar, conforme a disponibilidade orçamentária, ações que se destinem a implementar o disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014 e formular, implementar, monitorar e avaliar ações relacionadas ao uso da força que incluam diagnósticos, padronização de procedimentos, doutrina, capacitação e aquisições de equipamentos, entre outros aspectos;
- b) Ofertar consultoria técnica especializada para ações relacionadas ao uso da força pelos órgãos de segurança pública;
- c) Desenvolver, com a participação dos órgãos de segurança pública, materiais de referência para subsidiar a implementação do disposto na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, e no Decreto, especialmente quanto ao uso de algemas, à busca pessoal e domiciliar e à atuação em ambientes prisionais.
Além disso, caberá à União:
- i) Disponibilizar atas de registro de preços para aquisição de armas de fogo, de instrumentos de menor potencial ofensivo e de equipamentos de proteção individual, para eventual adesão dos órgãos de segurança pública;
- ii) Realizar ações de capacitação sobre o uso da força;
- iii) Incentivar ações de conscientização, discussão e integração dos órgãos de segurança pública com a sociedade civil sobre o uso da força;
- iv) Promover a difusão e o intercâmbio de boas práticas sobre o uso da força;
- v) Fomentar pesquisas e estudos, com ênfase na avaliação de impacto, sobre o uso da força;
- vi) Estabelecer ações para a redução da vitimização dos profissionais de segurança pública e da letalidade policial;
- vii) Consolidar e publicar dados nacionais relativos ao uso da força pelos profissionais de segurança pública;
- viii) Desenvolver medidas para informar a população sobre as políticas de uso da força e como reportar condutas inadequadas na ação dos profissionais de segurança pública.
Responsabilidades dos Estados-membros
Enquanto isso, os Estados-membros passaram a ter a incumbência de:
- a) Elaborar e atualizar atos normativos que disciplinem o uso diferenciado da força, inclusive de instrumentos de menor potencial ofensivo, registro e publicação de dados sobre o uso da força;
- b) Disponibilização de equipamento de proteção individual e de, no mínimo, dois instrumentos de menor potencial ofensivo a todo profissional de segurança pública em serviço;
- c) Instituição de programas continuados de atenção à saúde mental dos profissionais de segurança pública que se envolvam em ocorrências de alto risco; implementação, monitoramento e avaliação de ações relacionadas ao uso diferenciado da força, que incluam diagnósticos, padronização de procedimentos e aquisições, entre outros aspectos;
- d) Implementação de ações para a redução da vitimização dos profissionais de segurança pública e da letalidade policial;
- e) Capacitação sobre o uso diferenciado da força; fomento a pesquisas e estudos sobre o uso da força, com ênfase na avaliação de impacto;
- f) Normatização e fiscalização da identificação dos profissionais de segurança pública, de forma a possibilitar a individualização de suas ações durante o serviço;
- g) Normatização da atuação dos profissionais de segurança pública em situações que envolvam gerenciamento de crises, busca pessoal, busca domiciliar, uso de algemas e providências a serem adotadas nos casos em que o uso da força resultar em lesão corporal ou morte.
Na próxima semana continuaremos com o assunto.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor da pós-graduação em Direito do Instituto dos Magistrados do Nordeste (IMN), doutor e mestre em Direito de Execução Penal, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)