OPINIÃO | Notícia

2 anos de uma quase derrocada

Não há um único observador isento dos fatos que hoje diga que podia antever ou imaginar o que ocorreu, ainda mais em um domingo de janeiro

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 12/01/2025 às 11:46

Como epílogo de texto anterior que escrevi aqui publicado no dia 8/1, achei pertinente propor reflexão específica sobre a data em si, há exatos dois anos. Foi quando uma multidão vestindo as cores da bandeira, muitos dos seus integrantes em êxtase, tentou, pelo fomento ao caos e à desobediência à voz das urnas, gerar o ambiente propício a um golpe de Estado no País, transformando em zona de guerra o coração da capital federal.

Não há um único observador isento dos fatos que hoje diga que podia antever ou imaginar o que ocorreu, ainda mais em um domingo de janeiro, mês de recesso. As imagens provaram, porém, que existe quem entre nós acredite que ser patriota é não conhecer limites de civilidade, nem os da Constituição.

Esse desaguadouro (que gerou um prejuízo de mais de R$ 25 milhões e centenas de prisões) não foi um evento aleatório, mas sim a cereja do bolo de externalizações antecedentes: como acampamentos em frente a quartéis do Exército. A noite da diplomação dos eleitos ao Planalto serviu de aperitivo. Poucos suspeitaram que pela frente o caldo entornaria.

Investigações

As investigações policiais deflagradas desde então vêm revelando uma complexa trama, que contou, inclusive, com as redes sociais como principal fonte de disseminação de ódio e de conteúdos conspiratórios. Sem mencionar os envolvidos que fugiram do Brasil para outros países, em especial a Argentina, e ainda por lá continuam.

Não enxergo racionalidade, com todo o respeito, na tese de que o que houve no domingo 8/1/23 foi uma simples baderna. O nível de selvageria não se limitou a danos materiais. Não é quantificável em moeda corrente. Não se organizou um festival de Woodstock na Praça dos Três Poderes. Nem ali promoveram um encontro casual de cidadãos ordeiros preocupados com uma ameaça real à Nação.

Houve, sim, gente que se sentiu livre a avançar sobre as sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário para produzir violência e espalhar medo, pretendendo deixar a sociedade insegura da subsistência das instituições e intranquila. Muitos dos envolvidos se filmaram ou foram filmados, alguns às gargalhadas enquanto o horror tomava conta. Mais que isso: na intelectualidade, enfileiram-se vozes a bradar que golpe de Estado só existe se for armado.

De tabela, descobriu-se um plano para assassinar a chapa presidencial eleita em 2022. É pesadelo sem despertar. Ainda assim, acorreram vozes a defender que não se pune criminalmente a cogitação. De fato, não. Mas o chute da análise bate na trave sob um outro viés. Afinal, a tentativa de golpe é o objeto criminalizado, não o golpe consumado em si. Se o golpe ocorreu, a ordem jurídica já foi a debacle. A lei morreu.

Na dicção de Fernandes e Marchioni (Conjur, 26/11/24), se é notório que o golpe não se consumou, é também notório que inúmeros atos para que ele acontecesse, sim, foram praticados e são atos criminosos. Não à toa, Weingartner Neto e Von Saltiel (Conjur, 22/11/24) enfatizam: “Nas últimas décadas, a punição de atos preparatórios ganha cada vez mais protagonismo”, mencionando a título de exemplo o artigo 5º da Lei 13.260/16.

Já o “negacionismo jurídico” se instalou de mala e cuia. Enfrentá-lo é algo tão necessário e tão inadiável quanto garantir que a história seja contada da maneira correta nos livros didáticos. A premissa é que não é um indiferente penal a conduta de investir, solitária ou coletiva, contra a democracia. Não existe nesse universo o delito de menor potencial ofensivo.

Quer o art. 359-L, do vigente Código Penal, seja o seu art. 359-M, são “tipos penais de insurreição”, plurissubjetivos e de perigo concreto. Não comportam anistia pois não têm como ser esquecidos, além do que colidem com cláusulas pétreas da Constituição. Ademais, como já frisado por Dworkin, o Direito não é composto somente de normas expressas completas, mas também de princípios (como o democrático).

Encerro citando Kliemann (Conjur, 02/11/24), que por sua vez cita exatamente Dworkin: “Para o Direito existe apenas uma resposta correta e quem compreende a Constituição sabe: anistia nesses termos é inconstitucional”. Logo, a quem viola a Carta Magna, tolerância zero. Não cabe, nem se comporta, o favor do esquecimento.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire é advogado

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