Plantar mudas de porte grande fará a diferença

É verdade que as grandes cidades do mundo foram construídas expulsando o verde dos sítios originais que cederam seus espaços para acomodá-las

Publicado em 21/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 21/12/2024 às 9:51
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Mas, não é por conta disso que devemos achar que temos o salvo-conduto para seguir nesta pegada, ou mesmo, continuar apenas crescendo e não se desenvolvendo. Anoto aqui que há uma grande diferença entre crescer e desenvolver. Trato disso depois.

Lembro bem do saudoso Promotor de Justiça Geraldo Magela, servidor público extremamente ponderado, firme e cortês, que por ocasião de uma das inúmeras audiências que participei na Promotoria de Meio Ambiente da Capital sentenciou que "algumas áreas precisariam ser escolhidas para o sacrifício e acomodar a estupidez do que o homem produz e precisa". Claro, ele falava dentro de um contexto e em discussões laterais, tratando sobre presídios, aterros sanitários, cemitérios, estádios de futebol, indústrias e outros tantos equipamentos que causam incomodidades e impactos.

Pois bem, a nossa Constituição disse que as cidades seriam esses espaços para se praticar o sacrifício de acomodar e aglomerar as pessoas, desde que cumpram a função socioambiental das suas propriedades. De fato, quando olhamos para as metrópoles, vemos que estamos levando essa definição de forma literal. Na nossa querida Recife temos muitos bairros que ostentam população maior que centenas de municípios brasileiros.

A pergunta que não quer calar: que qualidade queremos disponibilizar à população nas nossas cidades? E nos nossos bairros?

Os conceitos modernos de urbanismo para as cidades já se têm aos montes. São as smart, as compactas, as a 5 minutos, as inclusivas, mas aqui inicio o tema que me propus tratar neste texto: as cidades verdes e resilientes.

Planejar uma cidade ou mesmo adaptá-la requer considerar todos os conceitos já criados e antever os que virão. Por exemplo, na década de 1950, quando Brasília saía do papel, nós não sabíamos e nem Niemeyer imaginava que, algumas décadas depois, o planeta estaria experimentando temperaturas escaldantes. Mas, como o nosso ícone da arquitetura moderna poderia saber que, ao privilegiar os belos edifícios em detrimento da vegetação do Cerrado estaria contribuindo para a criação de ilhas de calor no coração do país?

O fato é que não podemos mais agir neste século 21 com atitudes do século 20, porque já temos informações suficientes. As cidades não podem mais renunciar à sua cobertura verde. Nesta perspectiva, o Recife, a exemplo de outras tantas, desenvolveu seu marco regulatório para esse tal verde urbano. Esse referencial é a Lei Municipal n.º 18.938/2022, que define as regras para plantio, podas, supressões e, especialmente, parâmetros para a compensação nos casos de supressões autorizadas.

Como grande diferencial, a norma local definiu que o padrão para o plantio de mudas de compensação deve apresentar um "diâmetro à altura do peito (DAP)" (essa é a forma técnica de medir a grossura do tronco de uma árvore) igual ou superior a 5,0 centímetros e uma altura mínima de 3,5 metros. Trata-se de uma muda já quase uma árvore! E esse é o grande diferencial. As obras e os projetos podem ser inaugurados com um conjunto de plantas que se destacam. Ganham-se vários anos de crescimento.

Na minha trajetória profissional aprendi que nas questões ambientais toda vitória é transitória, porém, toda derrota é definitiva. É exatamente essa vitória obtida em 2022 que o Recife não pode (ou não deveria) rever. A proposta de reduzir o porte das mudas para 3,0 cm de DAP e 1,3m de altura está em vias de ser apresentada ao Conselho Municipal de Meio Ambiente, órgão deliberativo e que, sim, pode reverter a conquista da norma atual e imprimir uma derrota definitiva para a cidade. E o motivo não pode ser o de que não existe fornecedor local para mudas deste porte. Sabemos bem que o poder público é um indutor de mercado, basta informar que quer e o mercado oferece!

Como disse, precisamos de uma cidade verde e resiliente e, por isso, não podemos agir diferente. A emergência climática assola toda a cidade, o Recife já está, em média, 1,5°C mais quente. No mundo todo existe a unanimidade de que plantar árvores é o antídoto para barrar os gases do efeito estufa. Quando plantamos dentro da cidade além desse serviço, elas também nos dão sombra e, de quebra, reduzem as ilhas de calor.

A saída, talvez, seja a concessão de um prazo para que as nossas sementeiras e viveiros possam desenvolver suas mudas no padrão ótimo que a norma definiu. Do contrário, estaremos jogando fora a "água do banho junto com a criança".

Mauro Buarque,  sócio fundador da Método Ambiental, especialista em Planejamento e Gerenciamento Ambiental.

 

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