Lampião era ciumento, Fred?

Com cerca de 30 livretos publicados, Cícero além de excelente poeta popular era um insuperável contador de casos, de memória fantástica......

Publicado em 11/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 11/12/2024 às 8:01
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Falei em Cícero do Samburá outro dia aqui, mas não disse que ele foi Cidadão Honorário de Olinda, que morreu sem nunca tirar férias aos 102 anos de idade e que promoveu corridas de jangada que partiam de vários postos de pesca do Nordeste tendo como ponto de chegada seu Restaurante Samburá.

Com o avançar de sua idade fui ajudando nos preparativos e cobertura do evento pela imprensa. Na última corrida, contamos com o patrocínio da Prefeitura de Olinda e a cobertura marítima da Capitania dos Portos à época capitaneada pelo Capitão Leandro, depois Almirante Leandro, Comandante Naval do Nordeste, um capixaba nordestino de coração.

Na manhã da corrida, Leandro levou de surpresa três belonaves pequenas que ficaram serpenteando graciosamente por entre as jangadas que competiam, com suas velas azuis, vermelhas, verdes, de todas as cores. As belonaves de cor cinzenta cortando as ondas com suas espumas brancas num lindo espetáculo nunca visto na Marim.

Com cerca de 30 livretos publicados, Cícero além de excelente poeta popular era um insuperável contador de casos, de memória fantástica, mesmo porque quando ela tropeçava ele emendava com pitorescas digressões que tornavam o relato delicioso.

Quando a Lua nascia gorda e amarela na linha do horizonte, com a maré mansa e brisa fresca íamos para a varanda do Hotel Samburá ouvir sua estória preferida, aquela em que teria pertencido com muito orgulho ao bando de Lampião. Isso mesmo, ao bando de Lampião. Devia ter de 8 a 10 anos de idade, fez amizade com Volta Seca e Jararaca que ficaram gostando dele e lhe pediam para comprar fumo de rolo, farinha de mandioca e rapadura na feira. Com isso, aproximou-se de Lampião e principalmente de Maria Bonita, que passou a tratá-lo com muito carinho. Com o tempo, foi crescendo, e cada vez ele gostava mais dela. Um dia chegou em casa bem penteado de banho tomado e cheiroso "cheiro de perfume caro, francês", muito usado pelo bando que não gostava de banho. Ai sua mãe, que andava ressabiada, estrilou: "Menino, que extrato é esse? Quem penteou seu cabelo? Quem lhe deu banho? Quem cortou suas unhas do pé? E seus pentelhos? Vou contar tudo ao seu pai! Tu já é homem, menino?" E antes que Lampião soubesse nunca mais frequentou o Cangaço. Ainda bem.

Arthur Carvalho, da Academia Olindense de Letras  AOL

 

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