OPINIÃO | Notícia

Procura-se o "Mostardinha": um mergulho na história do Recife

Como historiador, venho dedicando meus estudos à história urbana do Recife e às suas interações com as religiões e religiosidades...

Por DIRCEU MARROQUIM Publicado em 16/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 18/11/2024 às 11:50

Este é um pedido de ajuda, mas não daqueles que escondem mensagens secretas nas letras capitulares. É um apelo simples e direto: alguém conhece Manoel de Oliveira Mostardinha? Não se preocupe, não estou à procura de um parente distante nem de um herdeiro perdido. Deixe-me explicar os motivos deste clamor.

Como historiador, venho dedicando meus estudos à história urbana do Recife e às suas interações com as religiões e religiosidades, especialmente nas áreas mais pobres da cidade na primeira metade do século XX. Talvez o termo mocambo não seja estranho a você. Embora tenha caído em desuso há algumas décadas, por pelo menos dois séculos essa palavra teve dupla acepção. Em Pernambuco, mocambo era sinônimo de casebre ou barraco—habitações feitas de barro, zinco, cobertas de palha; o que hoje chamamos de moradias informais. No Sudeste do país, porém, mocambo era usado com o mesmo significado de quilombo.

Essas duas interpretações estão alinhadas com a etimologia da palavra. Segundo Gilberto Freyre, que em 1937 escreveu o opúsculo Mucambos do Nordeste, o termo vem do quimbundo e significa "esconderijo". Isso revela uma associação histórica entre aspectos da racialização e as formas de habitar a cidade, tema explorado pela historiadora Brodwyn Fischer em um texto fundamental publicado em 2020.

Na década de 1940, o geógrafo Mário Lacerda de Melo cunhou a expressão "Mocambópolis" para se referir ao Recife, e não sem razão. Os números são impressionantes. No Censo Municipal de 1913, dos 37.645 prédios da cidade, 16.347 foram classificados como "mocambos"—aproximadamente 43% das edificações. Enquanto isso, 34% eram de alvenaria e 23% de taipa. No levantamento de 1923, o cenário pouco mudou: havia 19.079 edificações na categoria "residência" e 19.947 na categoria "mocambo", ou seja, cerca de 51% dos imóveis habitados principalmente por trabalhadores e trabalhadoras. O déficit habitacional é histórico e carrega muitas interseccionalidades.

Focando no meu pedido de ajuda, destaco um dado do Censo Municipal de 1923. A região de Afogados, que abrangia uma área maior do que o atual bairro, concentrava aproximadamente 30% (5.979) dos mocambos da cidade. Em 1931, na tentativa de regularizar a construção dessas habitações, a Prefeitura do Recife listou os principais pontos de adensamento de mocambos. Entre eles, chamo a atenção para o Sítio Mustardinha. Esses locais, conhecidos como "sítios" ou glebas de terra, pertenciam a proprietários que alugavam lotes para a construção de mocambos. Nomes como Vila São Miguel, Ipiranga, Bongi, Sítio de João Leite, Sítio do Berardo e Sítio do Fiúza talvez soem familiares. E sim, o personagem que procuro provavelmente deu nome ao atual bairro da Mustardinha.

Mas quem era Manoel de Oliveira Mostardinha? Até onde descobri, era português, natural de Aveiro, casado com Joana de Oliveira Mostardinha, possivelmente também portuguesa. Não sei ao certo quando chegaram ao Recife ou se tiveram filhos, mas algumas informações despertaram minha curiosidade.

Ele provavelmente residia nas proximidades de Afogados, mais precisamente em um lugar chamado Ypiranga, onde ajudou a fundar uma capela e organizou inúmeras festas. Tinha fortes ligações com times da "Liga Suburbana de Football", como o "Clube Esportivo Mustardinha" e o "Planetinha", além de participar do conselho de importantes agremiações carnavalescas da época, como os Toureiros de Santo Antônio e o Bloco do Cachorro do Homem do Miúdo. Manoel circulava com frequência pelos territórios dos mocambos. Não por acaso, um artigo publicado no jornal Folha do Povo referiu-se a ele como um "senhor feudal de um povoado de lama". Estimava-se que em seu terreno houvesse cerca de 2.000 casebres e que ele representava a ordem local, ou melhor, o próprio Estado. Sua caderneta de controle dos aluguéis era como uma Constituição para os moradores.

Os laços entre esse personagem e a história urbana do Recife podem nos ajudar a compreender melhor o surgimento dos bairros atuais e a relação com o uso e a propriedade da terra. Por isso, humildemente, peço: se você, porventura, conhece alguma história—vivida ou ouvida—sobre Manoel de Oliveira Mostardinha, compartilhe comigo. Estará contribuindo para aprofundar o entendimento da história desta cidade que, apesar de todos os esforços, ainda é tão desigual.

Dirceu Marroquim , doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP) e Sócio Efetivo do Instituto Arqueológico Histórico Geográfico Pernambucano. E-mail: dirceu_marroquim@yahoo.com.br.

 

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