"O povo assistiu aquilo bestializado"
Uma mentira e uma disputa amorosa levaram à República. Aproveitando a vitória na Guerra do Paraguai, os militares quiseram participar da política.

A Proclamação da República foi o evento histórico que instaurou uma república no Brasil em 15 de novembro de 1889. Foi o resultado de uma articulação entre militares e, alguns poucos civis, insatisfeitos com a monarquia. Havia insatisfação principalmente entre os militares com seus salários e pela ausência de um plano de carreira, além de exigirem o direito de manifestar suas posições políticas (algo que havia sido proibido pela monarquia).
Aproveitando-se da força da vitória na Guerra do Paraguai, os militares quiseram participar efetivamente da política brasileira, mas Dom Pedro II, utilizando-se do seu Poder Moderador, restringiu essa participação. É verdade, que houve também algum descontentamento entre elites emergentes com a sub-representação na política da monarquia. Grupos na sociedade começaram a exigir maior participação pela via eleitoral.
Inegavelmente, a questão abolicionista tomou forças no movimento republicano. Esses grupos se uniram em um golpe que derrubou a monarquia e expulsou a família real do Brasil. Disputas políticas e a consolidação do Exército como uma instituição profissional foram os dois fatores de peso na crise do palácio imperial.
A exigência pela modernização do país fez com que muitos militares, e um grupo pequeno de civis, enxergassem na república a solução milagrosa para o país, uma vez que a monarquia começou a dar sinais de ser incapaz de responder às demandas sociais. Mas não se pode dizer que tenha sido um movimento do povo. Bem longe disso. Não foi desejo das forças populares, o Imperador era amado e respeitado pelo povo.
Em novembro de 1889, a conspiração ganhou seu auge, e contava com a adesão de nomes como Aristides Lobo, Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Sólon Ribeiro, entre outros. Mas até tu, Rui Barbosa, um monarquista e amigo do Imperador? O que faltava para os conspiradores era a adesão do marechal Deodoro da Fonseca, um militar influente e primeiro presidente do Clube Militar.
Em 1889, os republicanos convenceram Deodoro de que o então Presidente do Conselho de Ministros de Pedro II, o Visconde de Ouro Preto, havia expedido uma ordem de prisão contra ele. Não era verdade, uma mentira, mas bastou esse alarme para que Deodoro juntasse um pequeno batalhão e marchasse pelo Rio de Janeiro exigindo a deposição de todo o ministério. Deodoro, então, soube que o novo Ministro-Chefe seria Gaspar Silveira Martins, seu desafeto - os dois tinham disputado o amor da mesma mulher na juventude, e viraram rivais para o resto da vida. "Aí já é demais... -teria dito.
O fato é que isso levou Deodoro, que até então não via o Brasil sem a monarquia, a derrubar Pedro II e instituir um governo provisório. Conspiradores militares e civis, que se encontravam na Câmara Municipal, escreviam uma declaração que dizia que o Brasil deixava de ser um império para se tornar uma república. Estava proclamada a República.
Graças a uma rivalidade romântica, capaz de traírem a amizade ao Imperador.
Alguns ainda acreditaram que a situação pudesse ser contornada, tentando-se uma resistência sob a liderança de André Rebouças e do Conde d'Eu, seu genro. No entanto, foi em vão. Dom Pedro aceitou pacificamente ir ao exílio, de onde nunca voltou. O governo republicano provisório foi instituído e o marechal nomeado como presidente do Brasil. Mas tudo sem qualquer participação do povo. D. Pedro II saiu do Brasil, escondido num final de semana, o povo não soube que nos deixaria. Ele preferiu não derramar qualquer gota de sangue no país que amou, parte com a família sem pedir compensação financeira, que lhe foi oferecida. Levou apenas um pouco de terra do Brasil, que serviu de encosto em seu caixão, nada mais do que isso. As notícias seguintes, nos jornais, é que a nação assistiu "bestializada" que o grande Imperador havia deixado o país.
Ainda hoje comemoramos tão pouco a Proclamação da República, uma quartelada, por um motivo claro: O povo não participou do processo de proclamação da república, em especial os negros. É o que explicam especialistas sobre o tema. Marcada pela forte presença militar e por um pensamento elitista, a República veio em 1989, um ano após a abolição da escravatura.
O fenômeno da indiferença coletiva se explica na forma como se processa a troca de regime, o 15 de novembro amanheceu cheio de promessas, cujo significado os mais pobres sequer sabiam o que acontecia. Só sentiram saudade do Imperador querido. Essa apatia, a indiferença política atual é a mesma, o povo continua participando tampouco das transformações fundamentais que a nossa nação tanto reclama.
Paulo Roberto Cannizzaro, escritor