OPINIÃO | Notícia

Os serviços culturais na corda bamba

Destaco a necessidade de se desenvolverem estruturas e serviços culturais permanentes, com a marca de política de estado, a exemplo do SUS.

Por MARCELO MÁRIO DE MELO Publicado em 14/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 14/11/2024 às 9:47

A criação do MCP - Movimento de Cultura Popular no Recife foi um ato de pioneirismo e vontade política gestado no último ano do mandato do Prefeito Pelópidas Silveira, em 1958, e nascido na gestão de Miguel Arraes, em 1959, com a marca da unidade entre educação e cultura. Naquele tempo a cultura não constava como capítulo nos textos constitucionais. Não havia leis de incentivo, conselhos, sistemas, fundações, secretarias e Ministério da Cultura. Na medida em que esses instrumentos foram surgindo, lamentavelmente, acentuou-se o divórcio - ou a muralha da China - entre projetos e ações educacionais e culturais. Cultura e Educação, em um mesmo governo, como dois passageiros andando de trem, cada um vendo somente a paisagem recortada na sua janelinha. Além desse calo burocrático incrustado, há nos estados e municípios a prática de um governo abandonar importantes projetos culturais desenvolvidos em governos anteriores. Vão alguns exemplos.

Os ônibus-bibliotecas, experiência recifense da década de 1950, foram retomados quando estive à frente da Fundação de Cultura Cidade por um ano e quatro meses, na segunda gestão de Jarbas Vasconcelos como prefeito. Deixei prontos dois ônibus, foram postos em circulação na gestão de Olímpio Bonald, que me sucedeu em 1987. Depois de 11 anos de uso, com a privatização da CTU, na gestão de Roberto Magalhaes, em 1998, esses os ônibus passaram à posse da empresa compradora e foram sucateados. Quando a titularidade poderia ter sido transferida da CTU à Fundação de Cultura. A exemplo do que ocorreu no Governo Arraes, quando, antes de ser concluída a privatização do Bandepe, em 1997, o acervo de obras de arte foi repassado ao Museu do Estado.

No segundo governo de Miguel Arraes, Alberto Cunha Melo executou em Caruaru um projeto-piloto de Cadastro Cultural, envolvendo 2.200 entrevistados. Na minha gestão na Fundação de Cultura Cidade do Recife, sob a direção de Alberto e com a participação da Emprel, o projeto foi adaptado e concluído para a realização na capital, tendo sido exposto em reunião pública realizada no Teatro Apolo em 1987.

Não uma simples mala direta com endereços de entidades e produtores culturais. Mas uma pesquisa de campo indicando o peso da atividade cultural na renda familiar. Projeto abandonado ainda na gestão Jarbas Vasconcelos, sob o argumento do alto custo. Desconsiderando-se a existência de uma parceria com o Banco do Nordeste, que acompanhava o andamento do projeto e enviou um representante no dia da sua discussão pública. Ignorando-se também as articulações junto ao Ministério da Cultura e ao parlamento, em torno de projeto e emendas parlamentares visando o financiamento.

À frente da Fundarpe, no segundo governo de Miguel Arraes, Leda Alves, em parceria com as agremiações carnavalescas, desencadeou os cursos de instrumentista de frevo para estudantes da rede municipal. Experiência que ia de vento em popa, mas foi desmontada na gestão de Joaquim Francisco. Também foram abandonados no Recife os concertos-aulas da Orquestra Sinfônica nas escolas, que retomei em 1986, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco.

Toda essa instabilidade no trato oficial das questões culturais demonstra a necessidade de se desenvolverem estruturas e serviços culturais permanentes, com a marca de política de estado, a exemplo do SUS. Para isso, em Pernambuco e no Recife, basta cumprir o que é exigido nos capítulos de Cultura da Constituição Estadual e da Lei Orgânica do Município, onde se inscrevem como preceitos a integração entre ações culturais e educacionais e a descentralização de serviços e equipamentos. É seguir a advertência de Dom Helder Câmara no sentido de trazer a lei para a vida. Lembrando que preceituar, segundo o Dicionário Aurélio, significa "estabelecer como preceito; ordenar; determinar: preceituar normas"

Marcelo Mário de Melo, 

 

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