De onde vem a chuva?
Quando analisamos os partidos que constituem a base do governo Lula, o chefe do Executivo claramente vivencia um governo minoritário.

Mais que um sintoma: é possível enxergar as eleições estaduais como um diagnóstico. Dessa forma, pode-se recalcular rotas e traçar novos planos para conduzir a política, e é aparentemente isso que o Presidente Lula tem feito.
As eleições de 2024 chegam ao fim e trazem um balanço bastante peculiar: aumento da campanha política pela internet, desempenho fenomenal de um outsider da política na cidade mais populosa do país, políticos jovens chegando ao segundo turno, acirramento da polarização, aumento expressivo nos registros de casos de violência política e o ganho de cadeiras dos partidos de centro nas Câmaras e prefeituras.
A análise do custo reputacional e previsão de possível repressão dos partidos no Congresso Nacional diante de um apoio firme a determinado candidato que adote uma postura mais agressiva pode custar um deadlock no Legislativo Federal. Quando analisamos os partidos que constituem a base do governo Lula, caso consideremos base partidos que votam pelo menos 70% das pautas junto com o Partido dos Trabalhadores, o Chefe do Executivo vivencia um governo minoritário. Cenário bastante desafiador para um presidente que governava com uma coalização supramajoritária em seu segundo mandato, o que possibilitou a aprovação dos projetos de lei e a instauração de políticas sem demasiados custos transacionais, onde Legislativo e Executivo estavam alinhados.
Nas eleições de 2022, o Partido Liberal, partido do Ex-Presidente Jair Bolsonaro, oposição declarada ao governo Lula, ocupa 99 cadeiras, constituindo o maior partido dentro da Câmara dos Deputados. Os partidos conhecidos como Centrão ocupam 273 cadeiras e os partidos de base correspondem a menos de 1/3 das cadeiras totais. Dessa forma, faz-se necessário que o governo gaste grande energia para criar e forjar maiorias para aprovar projetos de lei ou barrar os que lhes são muito ofensivos. O custo atual para o Executivo comprar uma briga com os partidos que lideram o Legislativo tornou-se altíssimo, pois, devido ao tamanho da base os acordos precisam ser costurados pauta por pauta, projeto por projeto.
Outro ponto que torna o Legislativo ainda mais forte é o controle sobre os recursos orçamentários impositivos, em 2019 aumentou de 1,2% para 2,2% após a aprovação da Emenda Constitucional N. 100/2019 responsável pelas Emendas de bancada, que somadas às emendas parlamentares individuais, entregam nas mãos do Congresso 2,2% do Orçamento previsto. Somado a esse aspecto, deve-se considerar que uma das funções constitucionais do Poder Legislativo é de fiscalizar os outros poderes, devendo o Presidente da República apresentar as contas do exercício anterior ao Congresso Nacional, e cabendo à Câmara dos Deputados cobra-la caso não tenha sido entregue tempestivamente. E, além do mais, cabe ao Congresso Nacional, com papel especial do Senado julgar os atos de improbidade do Presidente da República. Dessa forma, em especial no cenário posto, alimentar uma animosidade com o Congresso não é uma opção viável.
Por outro lado, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), repasse feito da esfera federal para os Municípios constitui parte essencial da renda de grande parte dos Municípios no país, constitui transferência obrigatória. Mas, a velocidade com que esses recursos podem ser repassados e a realização de transferências voluntárias contem certa margem de discricionariedade do Presidente da República. É possível lembrar do caso das Enchentes no Rio Grande do Sul e do Rompimento da Barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em ambos, pois possível observar como a disposição do Chefe do Executivo Federal mobilizar recursos foi decisivo para a situação. A integração entre os níveis federativos é necessária e a boa relação entre eles é administrativamente desejável.
Dessa forma, observando por uma ótima racional, faz sentido arriscar perder cooperação no âmbito local que encontrar maiores entraves e fomentar inimizades no âmbito federal, pelo menos até o dia que a chuva passe a correr de baixo para cima.
Laura Araújo, cientista política e doutoranda pela UFPE