Republicanismo escolar (II)
O modelo republicano no fundo é uma ideologia das oportunidades iguais, mas oferecer oportunidades iguais a pessoas de contextos diferentes.

O que é que caracteriza a educação republicana? Na verdade, é só em 1871, com o fim da Guerra Franco-Prussiana, que se instaura a chamada Terceira República na França e Julles Ferry, Ministro da Educação, instala definitivamente o Sistema Nacional de Ensino com o modelo propriamente Republicano de educação, caracterizado por uma extrema valorização do professor. Esse modelo nós tentamos copiar aqui no Brasil, na segunda metade do Império, mas com uma diferença fundamental: o nosso modelo "republicano" não estava voltado para a formação de um conceito de POVO, nem de PÚBLICO, estava voltado para a formação das elites. Ginásio Pernambucano, Ateneu de Salvador, Dom Pedro II do Rio de Janeiro, Atheneu de Natal, Liceu Paraibano... todos eles são dessa época e voltados para formação das elites dirigentes.
Vejamos, por exemplo, como se estrutura a nossa escola republicana do ponto de vista arquitetônico. O arquiteto do Ginásio Pernambucano foi José Mamede que era um discípulo de um francês (o saintsimoniano Louis Vauthier) que veio pra cá na missão francesa trazida pelo Conde da Boa Vista que foi Governador provincial (Francisco do Rêgo Barros). Quem visitou o Ginásio Pernambucano sabe que aquele é um modelo propriamente monástico de escola: portas altas, todo fechado, um átrio interno, as salas de aula que circundam o átrio imitando o modelo das celas monasteriais. Porque a escola é tida pelos intelectuais da Terceira República de Julles Ferry como um verdadeiro "templo". E um templo hierarquizado que exige silêncio, concentração, horários rigorosamente respeitados, uma disciplina e uma hierarquia absolutamente irrecorríveis, imitando o modelo dos monastérios medievais. Na República Francesa, chamada também de a "República dos Professores" (a educação como fundamento do princípio republicano), os professores se vestiam com uma beca preta - como nossos ministros do Supremo- e eram reconhecidos e respeitados nas ruas e havia um gesto de reverência que se fazia para os professores em respeito à dignidade e ao cargo.
E dentro da escola os alunos usavam uniforme. Na minha época de Colégio de Aplicação usávamos uniforme e no bolso da camisa tinha uma frase que dizia "A verdade vos libertará" (do Apocalipse de João) e isso em uma escola supostaamente "republicana" fundada em 1958 sob inspiração escolanovista! O uniforme tinha a função de não fazer distinção de classe através da aparência. Todos os alunos deveriam se vestir da mesma forma e deveriam ter a mesma alimentação dentro da escola - a escola era obrigada a oferecer alimentação na "cantina", como se chama até hoje na França. Os livros didáticos eram os mesmos para todo mundo, as provas que faziam, as avaliações obrigatórias, os exames eram através do anonimato. Ainda hoje na França, em algumas escolas, você faz a sua prova e, na aba superior da página do exame, você pode dobrar e colar, o seu nome encoberto e lacrado e o professor corrige a sua prova cegamente, ele não sabe quem é o autor e só no momento de entregar a nota publicamente é que ele abre e descola a orelha para que o nome do aluno apareça. Uma forma, portanto, de anonimato e de princípio de igualdade que estava presente nesse modelo republicano de escola.
O modelo pedagógico é o modelo da transmissão, do Magister Dixit medieval, em que o professor é o detentor do conhecimento, é quem "sabe" e o aluno aquele que aprende em silêncio e não questiona o professor e muito menos vai duvidar da validade dos conhecimentos do professor e nem se cogita de uma metodologia que "parta da realidade do aluno"! Isso não existe dentro de uma escola republicana. O acesso ao mundo é através dos livros, o mundo chega através dos livros. Dewey, no século XX, vai se levantar contra isso, na visão pragmatista dele. Muito mais tarde as teorias da reprodução vão condenar severamente a "trasmissão" (mas essa condenação vem de muito antes, de Descastes passa por Rousseau e chga até a "educação bancária" de Freire). O modelo republicano no fundo é uma ideologia das oportunidades iguais, mas oferecer oportunidades iguais a pessoas que vem de contextos e de origens sociais diferentes, produz efeitos sociais e escolares completamente desiguais!
(Continua)
Flávio Brayner (UFPE e UFRPE)