OPINIÃO | Notícia

A experiência como escrutinador de uma eleição

Votos com letras confusas era um problema na apuração. Como diria o "Repórter Esso", fui testemunha ocular da história do voto impresso.

Por JOÃO ALBERTO MARTINS SOBRAL Publicado em 05/10/2024 às 0:00 | Atualizado em 05/10/2024 às 7:54

Participei da apuração da eleição de 1986. O Tribunal Eleitoral, para tentar agilizar as apurações convocava funcionários do Banco Central e Banco do Brasil. Na época, eu era funcionário de carreira na agência do Banco do Brasil no Recife Antigo e fui convocado. Não era um trabalho fisicamente cansativo; era mais o cansaço intelectual de fazer um trabalho sob uma pressão muito grande. Aqui um segredo: eu estava mesmo de olho era na folga que era concedida depois do trabalho; dois dias por cada um de trabalho. Na época eu viajava muito pelo mundo e usei, além dos períodos de férias, essas folgas e outras quando coordenei concursos do Banco no interior do Estado."

 A apuração foi na sede do Clube Português, que ficava perto do Tribunal Eleitoral. Começava dois dias depois do pleito, para que a estrutura fosse montada e as urnas, conduzidas pela Polícia Militar, chegassem ao local. Orientação foi para chegar às 7h30, para uma reunião com o juiz, que orientava o trabalho.

 Como os votos eram contados manualmente, a apuração das eleições demorava dias, diferentemente de hoje em que o resultado é conhecido em algumas horas. A conferência era bastante confusa e gerava muita tensão e desconfiança, já que lados diferentes acusavam o outro de fraude.

 O trabalho começava sempre às 8h, com mesas imensas, onde as cédulas eram espalhadas. Primeiro eram apurados os votos dos candidatos a governador e senador, que tinham os nomes impressos, onde o eleitor marcava com um X no quadrado ao lado. Depois a dos deputados federais e deputados estaduais, com os nomes escritos à mão pelos eleitores. Na época não havia o atual sistema de números.

 Muitas cédulas eram mal preenchidas gerando intensas discussões entre os fiscais dos partidos que, que ficavam em volta da mesa tentando adivinhar o verdadeiro voto do eleitor. Muitas vezes eram chamados policiais para afastá-los. Quando não havia consenso, o voto era anulado, depois do coordenador da mesa observar o documento, que ficava numa caixa especial ao lado. Sem ar condicionado, o local era muito quente. Mesários recebiam água e garrafas do guaraná Fratelli Vita. De vez em quando sanduiche de queijo.

 Eleitoras e eleitores só podiam utilizar canetas de cor preta ou azul para preencher as cédulas. Por sua vez, somente os escrutinadores podiam utilizar canetas vermelhas. "Mesmo assim, vez por outra, aparecia um voto preenchido em vermelho na mesa de apuração. Era óbvio que alguém da mesa tinha preenchido um voto em branco", lembra.

 Primeira etapa ia até o meio dia. Depois, era reiniciada, das 14h às 17h, quando todo o material era levado,pela Polícia para serem guardados na sede do Tribunal Eleitoral até o dia seguinte. Quando tudo começava outra vez. O trabalho demorou três semanas, o que me garantiu um mês extra de folga no Banco do Brasil.

 O cansaço mental do processo de contar milhares de votos também era um fator que comprometia a rapidez e a confiabilidade da contagem manual de votos. Às vezes passava uma cédula, não se registrava um nome, uma contagem. E isso também influenciava no resultado.

 Por curiosidade, o resultado da eleição de 1986: com 1.587.726 votos, Miguel Arraes, do PMDB, foi eleito governador, tendo Carlos Wilson Campos como vice. José Múcio Monteiro, do PFL. teve 1.018.800 votos, com José Muniz como vice. Os senadores eleitos foram Antônio Farias, do PMB (com os suplentes Ney Maranhão e Ivan Rodrigues da Silva) e Mansueto de Lavor, do PMDB (com os suplentes Luiz Piauhylino e Petronilo Santa Cruz). Também foram candidatos Roberto Magalhães, Margarida Cantarelli, Ivan Maurício, Cid Sampaio, Jacob Nouri Tumajan, este do PDT, que teve apenas 0,33% dos votos. Os deputados federais mais votados foram, pela ordem, Joaquim Francisco, Fernando Lyra, Roberto Freyre, Osvaldo Coelho, Paulo Marques e Inocêncio Oliveira. Já os deputados estaduais mais votados foram, também pela ordem, João Coelho, Osvaldo Rabelo, Felipe Coelho, Geraldo Pinho Alves, José Aglaison e Manoel Ramos.

 João Alberto Martins Sobral, editor da coluna João Alberto no Social 1

 

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