¿Por qué no te callas?
Infelizmente, a moderação parece ser uma virtude cada vez mais rara no ambiente distópico em que vivemos, especialmente nas redes sociais.

As cidades-estado de Atenas e Esparta lutaram por quase trinta anos pela hegemonia na Grécia antiga. A natureza, as causas e as consequências desse conflito, ocorrido no final do século V a.C., foram registradas pelo historiador ateniense Tucídides, em sua magistral obra História da Guerra do Peloponeso.
O rigor acadêmico com que Tucídides descreveu os fatos impressiona até os mais modernos pesquisadores da história. Entre as lições mais notáveis de sua obra está o “Diálogo Meliano”, um exemplo clássico da cruel realpolitik.
Os melianos, sem forças para enfrentar os atenienses, buscavam permanecer neutros em um conflito que julgavam não lhes pertencer. Seus argumentos baseavam-se no direito à neutralidade, na crença de que a clemência de Atenas fortaleceria as relações entre as cidades, no risco de uma intervenção espartana em favor de Melos e na esperança de proteção divina.
Os emissários atenienses, contudo, responderam de maneira fria e direta: “[...] o justo, nas discussões entre homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder, enquanto os fracos se submetem”. Pouco depois, Atenas atacou a Melos, matando todos os homens e escravizando as mulheres e crianças.
Há, no entanto, outra reflexão de Tucídides que, embora menos conhecida, é igualmente poderosa e extremamente relevante para o mundo contemporâneo: “[...] de todas as manifestações de poder, a moderação é a mais impressionante”.
É sobre moderação que falaremos hoje, especialmente a moderação que deve ser exercida por aqueles que, investidos pelo povo, têm o dever de usar a violência em nome do Estado.
Um exemplo de moderação em ação foi demonstrado por um sargento francês durante a crise humanitária em Ruanda, relatado em um exercício de liderança na Escola Militar de Saint-Cyr Coëtquidan.
Um grupo de criminosos, após um ataque com explosões de granadas, foi cercado por tropas da Legião Estrangeira. Um dos criminosos morreu e outros três ficaram feridos. O pai do rapaz morto, fora de si, atacou o sargento com um facão. Embora as regras de engajamento permitissem atirar, o sargento optou por desarmar o homem sem feri-lo, arriscando sua própria vida para poupar a de um inocente.
Outro exemplo vem do Marechal Rondon, durante suas expedições pela "Sibéria tropical" brasileira.
Rondon seguia uma política de não-violência absoluta, resumida em seu lema: “Morrer, se preciso for; matar, nunca”. Essa postura, embora idealista, fez dele uma referência mundial na incorporação de povos indígenas. Em uma de suas expedições, Rondon foi ferido por uma flecha disparada por um guerreiro Nambikwára. Mesmo estando armado, ele não revidou.
Por fim, temos o exemplo do Tenente Silva (nome fictício), durante a Operação Arcanjo, nas favelas da Penha e do Alemão.
Ao enfrentar criminosos que tentavam retomar a região, sua patrulha foi alvejada. As técnicas militares sugeriam uma resposta rápida e agressiva, mas ele notou que os disparos poderiam atingir, ao fundo, frágeis casas, onde havia luzes e som de TV. Optou por uma resposta contida, minimizando os riscos, ainda que um subordinado tenha sido ferido. Sua decisão evitou a tragédia de matar inocentes.
Infelizmente, a moderação parece ser uma virtude cada vez mais rara no ambiente distópico em que vivemos, especialmente nas redes sociais.
As Forças Armadas brasileiras, apesar de sua alta credibilidade, ainda vêm sendo alvo de críticas desproporcionais quanto às suas operações e à postura institucional.
Grande parte dessas críticas é disseminada online por meio de vídeos manipulados, alguns utilizando inteligência artificial, que oferecem soluções simplistas para problemas complexos.
Contudo, nenhum desses "Clausewitzs de WhatsApp", "Guderians de TikTok" ou "Napoleões de YouTube" compreende o verdadeiro peso da responsabilidade de um chefe militar. São valentes só com o teclado. Escondem-se no anonimato das redes e carecem de consciência situacional.
Para eles, vale a lembrança do Rei Juan Carlos I, que, durante a Conferência Ibero-Americana em 2007, repreendeu Hugo Chávez: ¿Por qué no te callas?
Em terra civilizada, poder e moderação andam lado a lado.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva