Mudando hábitos, Gemba foi uma sorveteria inesquecível
No início dos anos 1900, as confeitarias e lanchonetes ampliavam as opções e também começaram a oferecer sorvetes em seus cardápios.

Foi durante muitos anos um grande point no centro do Recife. No início dos anos 1900, as confeitarias e lanchonetes do Recife, que eram frequentadas exclusivamente por homens de negócios, começaram a oferecer sorvetes em seus cardápios. Graças a isso, esses espaços passaram a ser utilizados também por famílias inteiras para formaturas, homenagens, recepções e aniversários. Foi assim que surgiram as primeiras sorveterias pernambucanas. Com o auxílio de Gustavo Agra, autor do livro "No Tempo das Sorveterias", vou relembrar a mais famosa do Recife em todos os tempos, até hoje sem substituta: A Gemba Sorveteria.
Em 1931, voltando de Belém, onde foi aprender a fazer sorvetes com um irmão, o imigrante japonês Heiji Gemba, que nasceu na cidade de Okayama e chegou ao Recife em 1927, com oito anos, começou a produzir, na sua na Boa Vista, seus sorvetes, que vendia nas ruas próximas, em cima de um carro de mão. O sucesso foi tão grande que decidiu abrir um espaço físico, utilizando 20 contos de reis que tinha economizado.
Com essa "fortuna". Em 1932, comprou máquinas Westinhouse, importadas dos Estados Unidos, alugou uma casa na Praça Joaquim Nabuco, uma das áreas mais valorizadas do centro do Recife. Era chamada "Sorveria Japonesa", no local onde hoje existe uma livraria "Luz e Vida". Foi um sucesso imediato, chegando a vender mais de mil sorvetes por dia.
Funcionou até 1941, quando foi apedrejada por fanáticos na perseguição aos imigrantes japoneses na 2ª Guerra Mundial. Com medo de morrer, fugiu com a família para Garanhuns, onde foi acolhido pela família do professor Antônio Figueira, na sua fazenda, escondido dos agressores. Ele costumava dizer aos amigos a origem do seu nome Gemba. Em japonês o termo significa "lugar onde as coisas acontecem", como o palco de um teatro, o chão de uma fábrica, o escritório de uma empresa.
Com o fim 2ª Guerra Mundial, Heiji Gemba decidiu voltar, com a família, para o Recife. Em 1946, abriu a "Gemba Sorveteria", na Rua da Aurora, 31, pertinho do Cinema São Luiz, que era o grande "point" do Recife. Vendia seus sorvetes - cada vez mais deliciosos- em cadeiras de madeira escura e mesas com tampo de mármore, até na calçada, para atender às filas sempre enorme de fregueses na porta do estabelecimento. Alguns clientes eram atendidos dentro dos carros. Com um detalhe: os preços cobrados eram muito baratos.
A produção era feita sob supervisão direta do sr. Gemba e sempre valorizava sabores locais como mangaba, abacate, sapoti, pitanga, araçá, cajá, manga, coco, graviola. Os sorvetes eram servidos em taças de metal, por garçons impecavelmente vestidos com summer branco e gravata borboleta. Os sorvetes eram acompanhados de uma delícia, o Big, um biscoito waffle, recheado com chocolate, em formato triangular, crocante, que se desmanchava na boca. Eram produzidos na casa e o nome Big significada Biscoito Gemba.
Chegou a surgir um boato (a fake News da época), que Heiji Gemba usava um ingrediente secreto, mas ele garantia que seu único segredo era a seleção rigorosa da matéria prima e o zelo na produção. Todos os dias saia cedo de casa para comprar as melhores frutas no Mecado de São José, que usava para fazer seus irresistíveis sorvetes. Ganhou vários prêmios como o diploma "Sorveteria que Oferece os Mais Deliciosos Sorvetes", concedido pela Sociedade de Imprensa Interamericana, em consulta pública feita em parceria com a Rádio Clube.
Homem extremamente correto, Henri Gemba sofreu muito com uma inspeção da Receita Federal na sorveteria. Entrou em depressão, fechou a sorveteia em 1972 e acabou se suicidando. Seu nome está numa rua de Boa Viagem. Com ele se foi, sem a menor dúvida, o melhor sorvete do Recife em todos os tempos. Tive a felicidade de conhecer seu Gemba, que fazia questão de me servir, na época repórter iniciante, a dobradinha Mangaba/Chocolate, que ele discretamente confessava ser a melhor da sua sorveteria. Este artigo, com certeza, vai trazer muita saudade aos mais velhos que tiveram a felicidade de tomar os sorvetes da Gemba.
João Alberto Martins Sobral, editor da coluna João Alberto no Social 1