Não joguem dados no lixo! A importância do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento

Caro leitor, quem já andou pelas ruas de sua cidade e viu lixo espalhado ou esgoto escorrendo pelas calçadas? Muitas vezes, falha de gestão...

Publicado em 09/09/2024 às 9:36

Por Andrea Steiner, Ciro Tavares de Melo e João Amaral*

Pois é, basta um passeio rápido para ver que esse é um dos problemas ambientais mais visíveis em boa parte dos municípios do nosso estado. Muitas vezes esse lixo jogado de qualquer forma é visto como resultado da falta de educação da população. Porém, essa também é uma falha grave de gestão. Ameaça a saúde pública por afetar desde a qualidade da água até a saúde humana, em especial das populações mais carentes, reforçando padrões de desigualdade social e injustiça ambiental.

É comum também a ideia de que o Brasil possui uma boa legislação ambiental, mas que falha ao tentar implementá-la. De fato, a implementação das políticas públicas relativas ao meio ambiente é um grande desafio no país. Aqui trataremos de um dos aspectos desse desafio: a falta de dados confiáveis, especificamente quanto à questão do lixo. O lixo é o foco de diversas leis importantes, como a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (de 2010, regulamentada em 2022) e a Política Nacional de Saneamento Básico (de 2007, atualizada em 2020). E muitos estados e municípios possuem leis que espelham e aprofundam essas normas federais.

Porém, antes mesmo dessas leis essenciais, já havia sido criado, em 1994, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). O propósito era reunir dados de todos os municípios brasileiros relacionados à prestação de serviços de água, esgoto e gestão de resíduos sólidos, entre outros objetivos. Bases de dados como o SNIS são cruciais para que o poder público possa planejar e melhorar suas ações. Aqui podemos destacar três pontos principais.

O primeiro é o fato de o saneamento ser um direito básico garantido pela Constituição Federal, considerando que o saneamento inclui não apenas o tratamento de esgoto, mas também a gestão dos resíduos, entre outros. Ou seja, se há lixo jogado ou não há saneamento básico na sua rua, bairro ou município, a gestão está desrespeitando diretamente esse instrumento legal. Por outro lado, dados disponíveis publicamente permitem que a população e os próprios gestores verifiquem o quão perto (ou longe) estamos de atingir a universalidade do saneamento indicada por lei.

O segundo ponto está ligado aos quatro modos de gestão do saneamento no país: 1) a gestão pública direta, 2) a gestão pública indireta, 3) a gestão privada e 4) a gestão público-privada. Os dados do SNIS ajudam a comparar esses modos e sua eficácia. Em outras palavras, que tipo de gestão está funcionando melhor para aquela situação? Como cada tipo de gestão pode melhorar?

Por fim, bases como o SNIS garantem a transparência da gestão municipal dos resíduos. Ajudam a população a compreender se os recursos voltados à gestão dos resíduos – inclusive pagos do seu próprio bolso – estão sendo bem utilizados e a cobrar da gestão se não estiverem. Por isso, os dados do SNIS estão disponíveis ao público e podem ser acessados do seu celular ou computador. Infelizmente, o estudo “A Política Nacional de Resíduos Sólidos e os sistemas de coleta seletiva municipais: estudo panorâmico com dados em painel (2014 – 2021)”, desenvolvido no âmbito do Mestrado Profissional em Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco, mostrou que o preenchimento do SNIS não tem sido feito de forma consistente no nosso estado. Usando como exemplo o SNIS-RS (componente do SNIS que focava nos resíduos sólidos) para o período de 2012-2021, a média de preenchimento pelos 185 municípios pernambucanos foi de pouco mais de 52% por ano.

É possível observar melhoras, mas nos últimos anos uma quantidade considerável de municípios pernambucanos deixaram de fornecer dados sobre como anda a questão do lixo. Ainda, há informações preenchidas de forma errônea e muitas lacunas no preenchimento do formulário.

Este ano, o SNIS deu lugar ao SINISA – o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico. Previsto inicialmente pela Lei 11.445/2007, esse sistema novo é mais abrangente e levou aproximadamente 17 anos para ser efetivado. É vinculado ao Ministério das Cidades e está sendo implementado de forma articulada aos sistemas nacionais de informação em recursos hídricos (SNIRH) e meio ambiente (SINIMA). O período de entrega dos dados pelos gestores municipais para o ano de 2023 encerrou-se neste último dia 30 de agosto.

O fato da participação dos prestadores de serviço (públicos e privados) ser voluntária não os livra da responsabilidade de fornecer dados consistentes para o SINISA todos os anos. Além da importância descrita aqui, alguns programas de investimentos governamentais exigem o envio regular de dados aos sistemas de informação para recebimento de verbas pelo município.

A boa notícia é que os Tribunais de Contas, como instituições detentoras da prerrogativa constitucional do exercício do controle externo, podem implementar ações voltadas a induzir os municípios acerca da adimplência com o SINISA. O Tribunal de Contas do Piauí, por exemplo, largou na frente e já prevê o atestado de regularidade com o SINISA como um dos componentes da prestação de contas de seus mais de 200 municípios. Ademais, todos as cidadãs e cidadãos têm acesso livre ao SINISA e podem verificar a situação do seu município por meio do site do Ministério das Cidades.

Verifique os dados de sua cidade e cobre dos gestores o preenchimento desse instrumento essencial. Afinal, manter o SINISA atualizado é imprescindível para que gestores municipais, estaduais e federais conheçam a situação dos resíduos e possam avaliar o funcionamento das políticas públicas relacionadas a fim de garantir a saúde do meio ambiente e da população.

Andrea Steiner, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do MAPORI – Grupo de Estudos em Meio Ambiente, Política e Relações Internacionais (andrea.steiner@ufpe.br).

Ciro Tavares de Melo,  mestre em políticas públicas pela UFPE e membro do MAPORI (cirotm@hotmail.com).

João Amaral, gestor ambiental, especialista em gestão pública e consultor da Capibaribe - Geologia e Meio Ambiente (joaoamaral@capibaribegeo.com.br).

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