Vinte anos da Promotoria de Justiça da Função Social da Propriedade
Duas décadas se passaram e a Promotoria de Justiça da Função Social da Propriedade Rural tem sido uma trincheira na luta pelos direitos humanos.
A realidade agrária no Brasil é uma história marcada pelo arado da desigualdade. Um cenário em que cerca de 1% dos proprietários de terra detém quase metade do território rural, enquanto pequenos agricultores sobrevivem com menos de 3% das terras produtivas. A violência é o reflexo desse cenário cruel e díspare.
Conflitos agrários transformam a zona rural em solo fértil de intimidações, desalojamentos e até mortes. Comunidades quilombolas e povos tradicionais enfrentam um cerco incessante, resultando em um aumento das investidas contra seu território, devastação das florestas e até, infelizmente, assassinatos.
Há de se lembrar a tragédia ocorrida no dia 12 de fevereiro de 2004, data em que Dorothy Stang, missionária norte-americana, foi assassinada com seis tiros. Stang caminhava para uma reunião com agricultores, discutindo desenvolvimento sustentável, quando foi covardemente alvejada. Sua morte ressoou internacionalmente, evidenciando a violência que assola o interior do Brasil.
Essa paisagem hostil, vale destacar, empurra os campesinos para as grandes cidades, na esperança de uma vida melhor. Mas, sem oportunidades e recursos, muitas vezes acabam nas periferias, contribuindo para o crescimento das favelas, quando não são privados de um simples teto. A migração forçada transforma o cenário das grandes metrópoles, ampliando a violência e o caos urbano.
Nesse caldo de sangue e terra, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) instituiu, em 2004, a Promotoria de Justiça da Função Social da Propriedade Rural. A missão era clara: pacificar o campo e garantir a função socioambiental da terra.
O caso da Fazenda Jabuticaba, em São Joaquim do Monte-PE, é um exemplo emblemático da sua importância. Um conflito agrário que culminou na chacina de quatro pessoas e que só não tomou proporções maiores diante da forte atuação do doutor Edson Guerra. Ele, aliás, passou 18 anos à frente da Promotoria Agrária.
Nos últimos anos, esta Promotoria tem se dedicado a obter soluções negociadas para os conflitos coletivos. Somente em 2023, conseguiu promover a regularização fundiária de centenas de famílias, compondo os interesses conflitantes dos proprietários e movimentos sociais. Essa abordagem tem mostrado que é possível encontrar um ponto de convergência entre os direitos de posse e propriedadee a justiça social.
O sucesso não seria alcançado sem a cooperação interinstitucional entre o Ministério Público, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado (Iterpe), a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, a Defensoria Pública e o Poder Judiciário.
A importância da Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TJPE é inegável, funcionando como locus privilegiado para a mediação e resolução dos conflitos de terras. A atuação conjunta das instituições fortalece as ações voltadas à pacificação no campo, promovendo um ambiente de diálogo e acordos sustentáveis.
Duas décadas se passaram e a Promotoria de Justiça da Função Social da Propriedade Rural tem sido uma trincheira na luta pelos direitos humanos. Não se limita a apagar incêndios, mas a induzir políticas públicas que respeitem a Constituição. Em seu caminho, tem fortalecido a presença do Estado Democrático de Direito, semeando o terreno de uma sociedade mais justa e solidária.
Leonardo Caribé, titular da 36ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital