OPINIÃO | Notícia

O Milagre de Sumaya

"E ela acordou, capaz de realizar uma consulta dermatológica". Assim Felipe me falou sobre o despertar do coma de sua esposa.......

Por ERMANO MELO Publicado em 09/07/2024 às 0:00 | Atualizado em 09/07/2024 às 10:30

Sumaya estava afastada, sorrindo e alegre como sempre, segurando elegantemente sua taça de vinho na beira do mar. Já ouvira a história, mas aquelas palavras insinuavam algo mais, algo que precisava ser dito, precisava ser escrito. E foi.

"Enquanto eu Dormia" é a obra. Escrita por Nadezhda Bezerra - aliás - não escrita, mas poetizada. Que prazer ler quem sabe transformar em palavras a beleza da alma. Nadezhda deve ter lido Aristóteles, Cícero, Quintiliano; talvez Dante, Camões, Fernando Pessoa. Ou não, vai ver nasceu sabendo - não precisou do esforço de pretensos escritores - pouco importa, vale mais o belo registro de uma bela história.

E que história. De amor, de fé e de amizade; da fragilidade do corpo e da fortaleza da alma. Da religiosidade de Sumaya, do encontro de almas com Felipe, do acidente, da escuridão do coma e da luz do espírito. Estão lá as emoções naturais dos amigos e familiares, rivalizando com o sobrenatural, de Deus e dos santos.

Ao ler, deixe o celular por perto, não para distrair, apenas para ouvir - via um QR Code - a música que a fez despertar, símbolo do casal. Deixe também por perto um lenço, talvez seus olhos vertam lágrimas ao imaginar a neurocirurgiã se ajoelhar para receber a comunhão na UTI, após a própria Sumaya receber a hóstia sagrada, mesmo adormecida.

Adormecida para esse mundo, todavia desperta para um outro, melhor, onde viu o rosto de Deus. Porém, teve de voltar, pois ainda não era a hora. Acho que ouviu a prece de sua filha na solidão do banheiro escolar - que mãe não ouviria? Ou teriam sido as súplicas de Felipe na capela? Ou dos amigos, que se uniam em orações? Não sei.

Só sei que Santa Terezinha dissolveu um trombo assassino em sua perna mediante Felipe e o suave toque de uma pétala de rosa que não seca, pois encharcada do amor da santa, que eles guardavam - sem saber - para o coágulo mortal.

Mas quem fez desaparecer as sequelas inevitáveis de tamanha hemorragia intracerebral? Os médicos, excelentes, não entenderam. Como se fosse possível, para nós e nossa limitada inteligência, compreender o divino.

Mas há também a maldade humana, revelada sutilmente em alguns comentários. Lá estão, não por revanche, mas para expor a natureza humana, nua e crua. E o livro segue.

Segue para revelar a vitória do amor, da fé e das preces. Para contar o impossível: a volta não apenas da mãe, da filha, da esposa e da amiga, mas também da dermatologista. Sim, ela voltou, brilhante como sempre. Recorreu a um manual de ABC e aos velhos livros da especialidade para completar o milagre.

Que não é algo de um passado distante e místico. Arrogantemente, fechamos os olhos para os que acontecem em nossa época, afinal somos racionais e evoluídos. Mas eles ocorrem, todos os dias. Sumaya está bem perto de nós.

Caso ela e Felipe tivessem nascido há dois mil anos, na Galileia, essa história também teria sido escrita. Por João; talvez Mateus ou Marcos; mais provável Lucas, que também era médico. Estaria na escritura sagrada e a iríamos ouvir no catecismo escolar ou na missa. Mas, por sorte, Deus a guardou para o nosso tempo, para Pernambuco, para Recife. Amém.

Ermano Melo , médico oftalmologista

 

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