OPINIÃO | Notícia

O Poder Moderador e a Constituição Federal de 1988

Pela Constituição outorgada (imposta), os magistrados eram perpétuos, quer dizer, não tinham um tempo certo para abandonarem a função

Por Adeildo Nunes Publicado em 04/04/2024 às 5:00

Foi a primeira Constituição Brasileira, outorgada por D. Pedro I, em 25.03.1824, após dissolvida a Assembleia Constituinte (1823), nomeada pelo próprio Imperador, quem estabeleceu a divisão dos Poderes do Império em 4 (quatro) modelos diferentes: Executivo, Judicial, Legislativo e Moderador. Em verdade, o Texto Constitucional de 1824 foi elaborado por catedráticos de Direito da Universidade de Coimbra, que vieram ao Brasil exclusivamente para tal fim.

O Poder Executivo, pela Carta de 1824, era exercido com exclusividade pelo Imperador, com o auxílio dos seus Ministros de Estado, e o Chefe do Império detinha poderes especiais para convocar uma nova Assembleia Geral Constituinte, nomear bispos, magistrados, comandantes das Forças Armadas, embaixadores e agentes diplomáticos, prover todos os cargos e empregos civis e políticos, dirigir todas as negociações políticas com as nações estrangeiras, celebrar Tratados Internacionais, declarar a guerra e celebrar a paz, expedir
decretos e demais instruções normativas, sem autorização do Congresso Nacional, chefiar a segurança pública externa e interna, dentre outras atribuições.

No tocante ao Poder Judicial, sua composição era formada por juízes e jurados escolhidos pelo Imperador. Enquanto os juízes eram os responsáveis pela aplicação da lei, aos jurados incumbiam a missão de se pronunciar sobre os fatos objeto dos julgados.

Pela Constituição outorgada (imposta), os magistrados eram perpétuos, quer dizer, não tinham um tempo certo para abandonarem a função, mas o Imperador poderia removê-los para qualquer Província e até suspendê-los temporariamente da função, ouvido o Conselho de Estado. Porém, a destituição definitiva do cargo só poderia ocorrer em havendo uma sentença judicial proferida pelo Tribunal das Relações, que tinha
sede nas Províncias do Império. Já naquela época o Texto Constitucional autorizava a existência de juízes arbitrais, nas causas penais ou civis, denominados de juízes de paz. Foi a mesma Carta Imperial quem criou o
Supremo Tribunal de Justiça, com sede na capital do Império, composto por juízes letrados e escolhidos dentre aqueles que fossem membros dos Tribunais da Relação, pelo critério da antiguidade, cuja competência jurisdicional era julgar todos os Ministros, Juízes da Relação, membros dos Corpos

Diplomáticos e presidentes das Províncias, nos casos de crimes comuns e revisar as decisões adotadas pelos Tribunais da Relação, no que diz respeito às matérias de natureza civil ou criminal. Já o Poder Legislativo, à luz do Texto Imperial, adotou o mesmo modelo de agora: uma divisão bicameral, formada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, cujos parlamentares eram empossados no cargo por delegação do Imperador. Eis as suas principais atribuições: realizar o juramento de posse do Imperador, escolher a dinastia em caso de morte ou vacância do trono, fazer leis, suspendê-las ou revogá-las, fixar anualmente as despesas e receitas públicas, conceder ou negar a entrada de forças estrangeiras, autorizar empréstimos internacionais e legislar sobre finanças públicas. As sessões da Câmara e do Senado eram públicas, exceto quando a matéria fosse de interesse do Estado. Todos os parlamentares tinham o tratamento de “Augustos ou Digníssimos Representantes da Nação”. O Imperador, entretanto, nomeava e podia exonerar, quando quisesse, qualquer Deputado ou Senador.

Para a Constituição de 1824, o Poder Moderador, exercido pessoalmente e exclusivamente pelo Imperador, que detinha o título de Chefe Supremo da Nação, a moderação era a chave de toda organização política do Império e a sua missão principal era manter o equilíbrio, a independência e a harmonia entre os demais Poderes do Império. A pessoa do Imperador, como Chefe do Poder Moderador, era inviolável e sagrada, ao fim e ao cabo, sem qualquer responsabilidade penal, civil ou política. Em síntese, no exercício do Poder Moderador, ademais, o Soberano nomeava e exonerava parlamentares, magistrados, dissolvia a Câmara dos Deputados e o Senado Federal e tinha a autorização para anistiar e indultar quem bem ele quisesse.

O art. 2º da Constituição Republicana de 1988, prescreve, expressamente, sobre a existência de apenas Três Poderes(Judiciário, Legislativo e Executivo). Por que tanta celeuma e infundado discurso sobre a existência de um quarto Poder, de prerrogativa das Forças Armadas? O art. 142 da mesma Carta de 1988 entregou ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica a sublime atribuição de defenderem a Pátria e garantir o funcionamento com normalidade dos Três Poderes da República, podendo o Chefe do Poder Executivo, para assegurar a
independência e a harmonia entre eles, decretar, excepcionalmente, o instrumento constitucional da “garantia da lei e da ordem”, que tem, também, o condão de preservar a soberania nacional e o Estado Democrático de Direito.

Com sabedoria, sapiência e estribado na Constituição Federal aprovada por uma Assembleia Nacional Constituinte, que o considera o seu guardião número um, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu plenário, acaba de definir que não existe Poder Moderador no Brasil. Esta decisão chegou em boa hora, até para
findar com o nefasto e retrógrado pensamento de Ives Gandra, que durante muito tempo enganou os adeptos da irracionalidade e do ódio, com a sua desprezível ideia da existência de um Quarto Poder da República, uma pura ideologia, sem qualquer conteúdo jurídico.

Adeildo Nunes, Juiz de Direito Aposentado, Professor do Instituto dos
Magistrados do Nordeste (IMN), Doutor e Mestre em Direito de Execução
Penal, Advogado Criminal.

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