OPINIÃO | Notícia

Esquerda e direita – o vai-e-vem

Que falta faz um presidente com visão ampla, conciliadora, focada em efetivamente buscar um pacto político, para mais uma oportunidade de se enfrentar, com alguma chance de sucesso, os arraigados "atrasos estruturais" do Brasil.

Por TARCISIO PATRICIO Publicado em 30/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 30/01/2024 às 14:35

José Dirceu – possivelmente o quadro mais qualificado do PT – reaparece na mídia “conservadora”, adjetivo atribuído segundo o PC do B. Artigo na Folha de São Paulo: “Desafios da próxima década. PT e esquerdas necessitam de renovação para lidar com a nova conjuntura”, 21/01/2024. Dirceu reconhece a dificuldade, daqueles no campo da esquerda, de ditar as cartas; não só no Brasil, mas no mundo. Quanto ao Brasil, com a volta da esquerda ao poder governamental, reconhece um “desafio”: “como governar e retomar o fio da história do desenvolvimento sem unidade nacional ou sem uma aliança entre a esquerda e setores empresariais?". Menciona a minoria do PT e das outras alas da esquerda na Câmara e no Senado. E concede: "A esquerda, sozinha, não tem maioria para fazer reformas estruturais”.
O problema é qual seria o conteúdo de tais reformas e da aliança com “setores empresariais”. Se tal aliança for o que já se conhece da época da Lava Jato... sei não. Ademais, reformas estruturais dignas do nome requerem ampla negociação – são muitos os interesses, inclusive o da sociedade, que colhe frutos de eventual acerto e o amargo de erros a que o país parece acostumado. O mais importante, arrisco, é o reconhecimento – pelo aguerrido militante do PT – de que a esquerda não pode tudo.
Visão mais ampla – e a meu ver mais certeira – é a de Ignacio Sánchez Cuenca (cientista político da Universidade de Madrid), no artigo ‘La desventaja de las izquierdas’ (jornal El País, 23/01/2024). Sánchez Cuenca, que resgata a evidência de superação definitiva da “via revolucionária”, identifica aquilo que seria a questão central. “Por que as direitas conseguem capitalizar melhor o pessimismo existente” diante da múltipla crise mundial (exacerbação da desigualdade social, insegurança econômica, mudanças tecnológicas, crise climática)? O autor traz dados sobre perdas de votos, pelas esquerdas (“alternativas, pós-comunistas, verdes e socialdemocráticas”), na Europa Ocidental – período 2000-2023, usando uma taxonomia que parece bem ajustada à realidade, não só na Europa. E acrescenta dados (2022) do “Pew Research Centre” sobre a vaga de pessimismo em países da Europa (França, Espanha, Reino Unido) e nos EUA.
No presente contexto mundial, e dada a peculiaridade do caso brasileiro, a urgência assume caráter dramático, face ao nosso atraso. Têm sido modestos os avanços econômicos e políticos no Brasil, mesmo depois da vitória sobre a inflação, desde julho/1994. Falta à Nação mostrar-se capaz de dar um salto que respeite o grau de urgência por mudanças. Precisamos de muito mais em educação, produtividade, em redução da insegurança econômica, em avanços institucionais. E, como se não já fosse o bastante, a versão tropical da emergência da extrema direita acrescenta muito como ameaça à causa das mudanças. Além disso, há algo, grave, que complica muito a vida social e, imagine, a política e a governança: a chaga da criminalidade pesada e da corrupção. O Rio de Janeiro como vitrine dessa obra gestada ao longo de décadas. Mas, não é só o Rio. Para segmentos sociais mais desfavorecidos, em todo o país, o pesadelo é ainda maior. Agentes políticos associados a crime ou próximos do crime organizado já são identificados em parlamentos, não só no Rio; e já chegam ao parlamento federal. É muita coisa no balaio.
E quando José Dirceu diz que “precisamos avançar 100 anos em 10”, o que estaria ele realmente pensando? Os avanços de 1994-95 até hoje, incluídos os dos governos do Plano Real e dos 16 anos do PT foram, sem dúvida, importantes. Mas, falhamos em muitas coisas. É só ver, por exemplo, o quanto de criminalidade e violência é parte do cardápio da grande mídia. Há mais, sobre desespero e sobre desarrumação social, em todo o país. Um noticiário, diário, que choca qualquer estrangeiro oriundo de país desenvolvido.
É em tal ambiente que viceja o domínio da extrema direita nas tais redes sociais no Brasil. As plataformas de apoio ao ex-presidente Bolsonaro costumam dar de lavada na atração de “seguidores”. Aspecto que tem correspondência com a dominância da extrema direita, nessa mesma arena, em outros países.
Que falta faz um presidente com visão ampla, conciliadora, focada em efetivamente buscar um pacto político, para mais uma oportunidade de se enfrentar, com alguma chance de sucesso, os arraigados “atrasos estruturais” do Brasil.


Tarcisio Patricio, doutor em Economia e  professor aposentado da UFPE

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