OPINIÃO | Notícia

O Judiciário, o extremista e o que fazer

O extremista, palavra da ciência comportamental, é, no fundo, um irrecuperável. Não serve para reciclar. Os educadores farão melhor concentrando-se em quem pode ser salvo.

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 18/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 18/01/2024 às 11:50

O 8 de janeiro de 2023, sublegendado muito propriamente como "dia da infâmia", e que tem rendido material em profusão para documentários, livros, teses e colóquios acadêmicos, discussão que se projeta dentro e fora do escopo jurídico, e que se revela sempre esclarecedora desde que observada a dinâmica dos fatos conforme eles se desenrolaram e não à luz da narrativa prêt-à-porter da máquina da desinformação, transcorrido seu primeiro ciclo de doze meses, ficou marcado especialmente na história judiciária brasileira, na extensão do ódio que se abateu sobre a sede do Supremo Tribunal Federal.

Os líderes do transe e seus seguidores, bem à moda do conto do Flautista de Hamelin, compreendendo-se no conceito de patriotas, incluindo cenas de rezas desesperadas para alienígenas em prol da salvação contra o comunismo, canalizaram para o Supremo a maior fatia da sua ira. Desprezando, convenientemente, que, da anulação de excessos (que não foram ínfimos) da Operação Lava Jato ao então Deputado Federal Daniel Silveira às questões envoltas na exegese de um poder moderador das Forças Armadas a partir do

artigo 142 da Constituição à autonomia de Estados e Municípios para que baixassem decretos de lockdown durante emergências sanitárias, tijolo a tijolo, o STF fez os enfrentamentos devidos, e, nesse desenho republicano, funcionou como uma espécie de dique de proteção que impediu o estouro da represa que, se acontecesse, arrastaria fatalmente consigo as águas do golpismo.

Os Ministros do Tribunal passaram a ser hostilizados sem a menor cerimônia, ofendidos de todas as formas, como se isso fosse liberdade de expressão. Não raro, foram acusados de prevaricar. Acusações sempre despidas de provas. Um quadro insuflado politicamente, que alcançou, inclusive, a advocacia progressista, que, por seu apoio de primeira hora à Corte no combate à desinformação e em defesa da democracia, passou a sofrer perseguição à parte.

Em recorte conexo, sem sair desse mesmo tema, encontramos a reação não menos furiosa ao comportamento da juíza de Direito de Roraima que, em audiência de custódia, cumprindo protocolo do CNJ, procedeu à ouvida de um preso sem algemas por não ser ele de perfil violento, nem representar risco de fuga, e ainda lhe ofereceu um café e um casaco ao notar que estava tremendo de frio. Incrível que pareça, não só os corajosos da internet - ali escondidos supondo-se intocáveis na sua compreensão burra do texto constitucional -

achincalharam a juíza por cumprir seu papel, como, também, parlamentares e membros (e ex-membros) do Ministério Público, todos com a ladainha do "privilégio para bandidos", como se ser tratado com dignidade fosse um privilégio, ao invés de um direito universal.

Não é pouca coisa, nem reles nota de rodapé. O que se esperava que acontecesse naquela audiência? Que a juíza fosse indiferente? Que replicasse Pilatos? Afinal, é esse o Judiciário que se quer? É nisso que se tornou o Brasil?

Os ataques ao sistema de Justiça ao ousar desempenhar uma responsabilidade contramajoritária em temas divisivos revelam o lado mais sombrio da polarização

que converteu laços de sangue e de amizade em distanciamentos que nem a pandemia da COVID foi capaz de impor.

A crítica a qualquer decisão judicial nunca pode ser confundida, no regime democrático pelo menos, com um salvo-conduto para que seu autor conspire pela destruição do Judiciário, e, de quebra, sustente pela negação de pilares civilizatórios, convolando-se em vândalo moral, ou que siga além, como vândalo material, ainda mais utilizando-se do foro especializado, de modo instigatório.

Bem lembrado por Arthur Schopenhauer, a intolerância é siamesa do monoteísmo, com sua divindade única, ciumenta, que não tolera nenhuma outra além dela mesma. Aos intolerantes, aqueles que não evoluem e não mudam de ideia, que fiquem retidos no seu metaverso delirante em que a Justiça humanizada é criminosa e que o lixo da história os presenteie com o merecido esquecimento. Faça-se valer Popper. O extremista, palavra da ciência comportamental, é, no fundo, um irrecuperável. Não serve para reciclar. Os educadores farão melhor concentrando-se em quem pode ser salvo.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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