Transfobia natalina e o papel das empresas no combate às opressões
A confusão foi generalizada, o agressor evadiu-se do local sem sequer ser identificado e o estabelecimento foi acusado de proteção ao agressor

Antevéspera de natal de 2023, os bares lotados de confraternizações entre amizades, colegas de trabalho, familiares e o que sempre se espera é que o clima seja de fraternidade.
Em um bar famoso de Recife, uma mulher, ao sair do banheiro feminino, foi abordada por um homem, ambos clientes do estabelecimento, que perguntou se ela era homem ou mulher e, logo em seguida, deu- lhe um soco. Sim, ela era mulher cis, e por ser confundida com uma mulher trans, foi vítima de violência.
A confusão foi generalizada, o agressor evadiu-se do local sem sequer ser identificado, o estabelecimento foi acusado de proteção ao agressor e o ocorrido ganhou os portais de notícias em segundos. A partir deste contexto, três reflexões se fazem importantes.
A primeira delas, o quanto as opressões históricas são adoecedoras de toda sociedade. É preciso desapegar de padrões que aprisionam e não respeitam à liberdade, autonomia e experiências desejadas e vivenciadas pelas pessoas na atualidade. Combater machismo, racismo, LGBTfobia, capacitismo, intolerância religiosa e demais contextos discriminatórios é imperativo de um Estado Democrático de Direito. E este exemplo nos mostra que neste nível de adoecimento social, não só as populações vulneráveis estão suscetíveis de violência, mas todas as pessoas, afinal a mulher que sofreu transfobia não era travesti ou transexual.
Em seguida, precisamos refletir quem são as pessoas que se dizem cidadãs de bem, defensoras da moral e dos bons costumes e, contraditoriamente, espancam LGBTs, tem aversão a pessoas negras cerceando seus direitos, tratam mulheres com desigualdade em todos os espaços, não consideram as especificidades das pessoas com deficiência, etc. É preciso responsabilização séria e adequada, visando caráter punitivo para ato de violência tão vil e também educativo para evitar reincidência e servir de exemplo do que se repudia enquanto conduta social.
Por fim, precisamos pensar na responsabilidade das organizações, sejam elas públicas ou privadas, em casos de discriminação, independente de assumirem grande repercussão. Especificamente nos casos de LGBTfobia, a cidade de Recife tem a Lei 16780/2002, mais conhecida como Lei do amor livre, que visa punir qualquer forma de discriminação com base em orientação sexual ocorrida em estabelecimentos comerciais, o que faria da Veneza Brasileira uma vanguardista, não fosse a sua inefetividade prática, mesmo passados mais de vinte anos da edição da referida legislação.
O fato é que casos de discriminação tem acontecido diariamente em bares e restaurantes, empreendimentos de diversos segmentos condomínios privados, escolas, shows, fóruns, delegacias, casas legislativas e tantos outros espaços e não dá para ficarmos inertes diante deste cenário.
Atuações possíveis para prevenir e lidar com esses lamentáveis episódios são treinamentos corporativos com equipes, especialmente as que lidam diretamente com o público; criação de comitês de diversidade; campanhas que valorizem diversidade e combatam intolerância tanto internamento com pessoas colaboradoras, quanto junto a clientela; estabelecimento de políticas institucionais com valores antidiscriminatórios que sejam observados em todas as suas práticas; protocolos internos com passo a passo sobre como agir em casos de discriminação; produção de material educativo para letramento antidiscriminatório da equipe; entre vários outras iniciativas.
Quando uma organização se compromete com um ambiente que valoriza a diversidade e se coloca publicamente contrária a qualquer tipo de discriminação, ganha sua equipe colaboradora, sua clientela e toda a sociedade que está precisando assumir um pacto social de respeito mútuo para termos natais, de fato, conectados com os princípios de fraternidade e solidariedade.
Manoela Alves e Ana Paula Azevêdo, Diretoras do Instituto Enegrecer