
Por medida de segurança entende-se a decisão judicial que, reconhecendo a autoria e a materialidade relacionadas com fatos delituosos, conclui que o réu, ao tempo da ação ou omissão, era incapaz de entender o caráter ilícito da sua atitude, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. O Código Penal brasileiro isentou de pena todos aqueles que praticam ilícitos penais nessa condição, elegendo-os como inimputáveis. A divisão entre pena e medida de segurança foi adotada no Brasil, pela primeira vez, pelo Código Penal de 1940, mantida com a reforma da sua Parte Geral em 1984.
Segundo Benfica, coube ao suíço Carlos Stoos introduzir a medida de segurança no Direito Penal. "No entanto, medidas relativas aos perigosos, visando à defesa social, existiram nos tempos antigos. O Código Penal francês, de 1810, continha disposições pertinentes aos inimputáveis. Na legislação portuguesa antiga existiram as penas de deportação e outras penas com feição de medida de segurança. Assim é que quando a justiça portuguesa remetia criminosos para a África e para o Brasil, estava visando, também, a um fim social. Mesmo no primeiro Código Criminal do Brasil há medidas com relação aos loucos e menores de 14 anos, como se vê no art. 12. Mais ou menos da mesma forma dispunha o Código Penal de 1890. O projeto de reforma Virgílio de Sá Pereira e Alcântara Machado previram a medida de segurança com a denominação de medida de defesa social."
Ocorre que antes da vigência da Lei Federal n. 7.209, de 1984, que introduziu uma profunda reforma na parte Geral do Código Penal de 1940, o Brasil adotava o denominado sistema duplo binário, onde a medida de segurança poderia ser imposta isoladamente ou cumulativamente com a pena privativa de liberdade aos semi-imputáveis e aos completamente inimputáveis na época considerados perigosos. Com a Lei n. 7.209/84 e até os dias atuais a medida de segurança passou a ser utilizada, somente e exclusivamente, aos considerados doentes mentais, sejam semi-imputáveis ou inimputáveis. Mirabete informa que "de acordo, porém, com a tendência moderna de se buscar uma medida unificada, a Lei n. 7.209/84 introduziu na legislação penal o sistema vicariante ou unitário, em que somente pode ser aplicada uma das sanções, pena ou medida de segurança aos semi-imputáveis e somente pena aos inimputáveis. Ficou assim demarcado o caráter exclusivamente preventivo e assistencial da medida de segurança, aplicada em decorrência da periculosidade, distinto do fundamento da imposição da pena, que é a culpabilidade". A discordância com os ensinamentos do mestre, contudo, está no fato de que a medida de segurança não é uma sanção, mas sim uma medida judicial que impõe tratamento médico-psiquiátrico ao doente mental que tenha cometido um delito, nessas condições, na época do fato. Prova disso é que com a cessação da sua periculosidade, não há razão para a manutenção do interno em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Nem todos os doentes mentais, porém, podem ser alvo da medida, porque ela só se impõe aos penalmente responsáveis que venham a cometer um ilícito penal, demonstrada a sua periculosidade em laudo pericial elaborado para este fim. É assim, pois, que "é indispensável, em primeiro lugar, que o juiz reconheça ter o agente praticado um fato típico e antijurídico, não se podendo aplicar a medida de segurança se não constituir o fato ilícito penal ou se apurar que o acusado agiu ao abrigo de excludente de antijuridicidade. Em segundo lugar, é preciso que o réu seja perigoso, havendo, pois, probabilidade de voltar a delinquir", ensina Mirabete. Destarte, são pressupostos para a imposição da medida de segurança a prática de uma conduta descrita como crime ou contravenção penal e a sua periculosidade, daí por que é imprescindível a instauração da ação penal e a realização de exame de sanidade mental, com a finalidade de concretizar a medida.
Existe um limite temporal para o cumprimento da medida de segurança? Ela pode se eternizar? Pesquisando o Código Penal Brasileiro é de se assegurar que ela possui prazo indeterminado, isto é, enquanto não houver a cessação da periculosidade do agente, a medida deve prosseguir. Fábio Roque da Silva Araújo leciona que "em resumo, podemos asseverar que duas correntes doutrinárias digladiavam entre si, em derredor deste tema: a primeira dispondo que efetivamente não há que falar em prazo máximo para o cumprimento da medida de segurança, pois esta há de perdurar até a cessação da periculosidade do agente, o que, em regra, coincide com o término da doença ou da perturbação da saúde mental que o aflige; para a segunda corrente, a medida de segurança deveria possuir lapso temporal adstrito a limites estabelecidos previamente, sob pena de consagrar, por via transversa, a institucionalização da pena de caráter perpétuo". Para os que defendem a segunda hipótese - é essa a posição do STF - há dois entendimentos: o limite temporal seria aquele cominado em abstrato para a execução da pena privativa de liberdade (30 anos), nos termos do art. 75 do Código Penal. A segunda vertente acha que o limite a ser obedecido é aquele cominado em abstrato ao fato específico praticado pelo doente mental, se acaso imputável fosse. Se ao doente mental, exemplificando, fosse fixada uma medida de segurança pelo cometimento de um homicídio simples, a medida de segurança só poderia durar até vinte anos, que é o máximo da pena cominada ao crime (art. 121, caput, Código Penal).
Se o fato aparentemente criminoso praticado pelo considerado doente mental importar em pena de reclusão, deve o Juiz sentenciante fixar a medida de segurança; se for de detenção, o tratamento ambulatorial deve prevalecer. Sendo o autor da infração considerado inimputável por doença mental, caberá sempre a fixação do internamento hospitalar ou o tratamento ambulatorial, dependendo do laudo pericial que reconhecer a causa de isenção de pena. Cabe acrescentar, por oportuno, que o internamento ou o tratamento ambulatorial podem ser fixados nos crimes de pequeno, médio ou grande potencial ofensivo, não importando o tipo penal violado. A prática de uma simples contravenção penal pode ensejar a medida, desde que comprovado o estado de doença mental do autor da infração.
Entretanto, o Conselho Nacional de Justiça, recentemente, editou a Resolução nº 487, estabelecendo um prazo de 6 (seis) meses, para a interdição parcial de todas as instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, com proibição de novas internações em suas dependências e, em até 12 (doze) meses a partir da entrada em vigor desta Resolução, a interdição total e o fechamento dessas instituições. A Resolução é inconstitucional, pois só quem tem autorização para legislar sobre a matéria é o Congresso Nacional. Os infratores da lei penal, doentes mentais, vão pra onde?
Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, professor, doutor e mestre em Direito. ,