
Passados dois meses do início do atual governo, e ainda quando o tempo seja insuficiente para avaliações adequadas, é correto analisarmos as expectativas decorrentes desse começo. Na minha opinião, não são boas, e aqui não vai ato de contrição, porque reafirmo que a vitória de Lula no segundo turno foi indispensável para manutenção do bem maior que é a democracia. No topo da pirâmide do programa e das falas de Lula durante a campanha, está o combate à fome. Aplausos. Porém, se, por um lado, é próprio aumentar-se o salário-mínimo, surpreende que o assunto não assuma lugar de maior protagonismo entre as pautas governamentais. O simples reajuste para R$ 1.320,00 é absolutamente incompatível com as necessidades básicas de qualquer cidadão.
O último valor que tenho na memória é o de R$ 6.500,00 para sustento de uma família de quatro pessoas para aquisição de itens básicos de alimentação, sem incluir habitação, água, luz, transporte, saúde e outros itens essenciais. É a sempre complexa equação entre salário-mínimo e salário digno. Essa é uma discussão que compete ao governo estruturar para o futuro, porque, obviamente, no ambiente fiscal em que vivemos desde sempre, o ideal é mais que utópico. Por isso, ao invés de insistir no reajuste puro e simples, competiria aos líderes colocar de maneira mais assertiva e objetiva a discussão. É claro que tudo passa por uma definição de política econômica, meta de inflação, âncora fiscal e cambial, taxa de juros, entre outras premissas básicas da economia. Sem apontar claramente para um caminho, entretanto, Lula vem tensionando o ambiente com pronunciamentos atabalhoados que fazem lembrar o líder sindical, e não um presidente em terceiro mandato.
É ridícula, por exemplo, a sua investida contra o Presidente do BC, a uma, porque o superior hierárquico não vai aos jornais criticar um subordinado; por mais que se fale em autonomia e independência do BC, Roberto Campos Neto é a ele subordinado, e as críticas se fazem em particular, a duas, porque o ambiente econômico gosta de calmaria. É tradição na política mundial, e no Brasil nunca foi diferente, que os políticos de direita ou esquerda caminhem e sinalizem para o centro, manobra indispensável para governar. Não é preciso abdicar de princípios, mas é importante absorver outros que os complementem, sobretudo quando os valores do governante têm força de per se para não serem contrariados, o que é o caso, porque ninguém é contra salvar o povo da fome. E aí é que entraria a discussão saudável entre salário digno versus responsabilidade fiscal, por exemplo. Parece, infelizmente, que, até aqui, e apesar das excelentes iniciativas em diversos outros campos, todas notórias, o líder sindical extremista vai liderando a economia.
João Humberto Martorelli, advogado
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