OPINIÃO

A legislação penal brasileira é uma das mais vangloriadas e elogiadas pelos grandes penalistas do mundo, mas a sua Parte Especial precisa de uma urgente reforma.

O Código de 1940 inovou, sobremaneira, porque pela primeira vez na história legislativa penal brasileira a norma penal passou a ser composta por duas partes: uma Geral e uma outra Especial.

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Publicado em 26/01/2023 às 0:00 | Atualizado em 26/01/2023 às 6:54
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A grande mudança na nova Parte Geral realizada em 1984, sem dúvida, diz respeito à enorme distinção entre pena e medida de segurança - FOTO: NE10

Já comentamos neste espaço que a prisão, no Brasil, só passou a ser considerada sanção penal a partir de 1830, com a aprovação do Código Penal do Império. Antes disso, o que existiam eram as penas cruéis, comumente de morte e de forma perpétua, sem contar que a tortura era legitimada, no afã de obrigar o acusado a confessar a prática do ilícito penal. Até 1830 era comum os açoites em praça pública, para o deleite da classe dominante, que assistia com regozijo o sofrimento físico e mental que eram impostos aos criminosos, mormente aos escravos, sem contar que as tardes de domingos eram festivas, quando havia a execução de pessoas em praças públicas lotadas e delirantes com a morte das vítimas, que as vezes sequer eram culpadas, mas eram condenadas e mortas das formas mais bárbaras possíveis.

Com a introdução da prisão como pena, e com a aprovação do Código de Processo Penal de 1832, os acusados pela prática de ilícitos penais passaram a ser julgados por juízes e tribunais compostos por pessoas indicadas pelo Imperador, geralmente magistrados formados na faculdade de Direito de Coimbra, de Recife e do Lago de São Francisco, em São Paulo. O imperador, da mesma forma que detinha o Poder Moderador para a indicação de magistrados, também tinha o poder de destituí-los da magistratura, sem necessidade de fundamentação ou obediência ao direito de defesa. O certo é que os magistrados não tinham a independência funcional que hoje existe, donde se conclui que as suas decisões não podiam desagradar o Imperador, sob pena de exoneração do cargo.

Em 1890 foi aprovado o segundo Código Penal brasileiro, que até hoje é deveras criticado por renomados penalistas, muito mais porque havia um desprezo enorme com o princípio da proporcionalidade, isto é, não havia proporção exata entre o crime e a pena. Um crime mais grave previa uma pena aquém da conduta praticada, enquanto um delito leve implicava numa pena grave. O crime de furto, por exemplo, tinha uma pena maior que o delito de roubo, circunstância inimaginável nos dias atuais. Com a promulgação da Constituição Republicana de 1891, praticamente elaborada por Rui Barbosa, embora sob forte influência da Carta Norte-Americana de 1787, pôs-se um fim no Poder Moderador, implantando-se a sua tripartição, que até hoje existe (executivo, legislativo e judiciário), seguindo os ensinamentos de Montesquieu, que logo passaram a ser utilizados no resto do mundo.

O Código Penal de 1890 era tão falho e criticado pelos estudiosos da matéria, que o presidente Getúlio Vargas, em 1932, resolveu aprovar uma Consolidação das Leis Penais, mantendo algumas regras já existentes, mas aprovando um conjunto de novas normas penais, por muitos consideradas relevantes e atuais. Por volta de 1938 o professor Alcântara Machado, da Faculdade de Direito do Lago de São Francisco, apresentou ao Parlamento um projeto para discussão de um novo Código Penal, que se transformou em lei, em 1940, depois de revisto por uma comissão de penalistas formada pelos professores Nelson Hungria, Vieira Braga, Roberto Lira e Narcélio de Queiroz. A comissão de revisão debruçou-se sobre o projeto durante cerca de dois anos, até que em dezembro de 1940 o projeto se transformou no atual Código Penal, sancionado pelo presidente Getúlio Vargas, que entrou em vigor em janeiro de 1942.

O Código de 1940 inovou, sobremaneira, porque pela primeira vez na história legislativa penal brasileira a norma penal passou a ser composta por duas partes: uma Geral e uma outra Especial. Na Parte Geral encontram-se as regras que regulamentam os princípios gerais que regem a matéria, enquanto a Parte Especial foi dedicada inteiramente à definição do tipo penal e das penas correspondentes.

Em 1984, com amparo em projeto revisado pelos professores Nelson Hungria, Aníbal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso, foi aprovada uma nova Parte Geral ao Código de 1940, ainda hoje em vigor, uma obra prima que é exaltada em todos os recantos do mundo, oferecendo uma atualizada legislação sobre a aplicação da lei penal, o crime, a inimputabilidade penal, concurso de pessoas, a aplicação das penas e da sua suspensão condicional, além de tratar do livramento condicional, os efeitos da condenação, a reabilitação, as medidas de segurança, a ação penal e sobre a extinção da punibilidade.

A grande mudança na nova Parte Geral realizada em 1984, sem dúvida, diz respeito à enorme distinção entre pena e medida de segurança. Pelas novas regras as penas só podem sem aplicadas aos maiores de 18 anos de idade e que sejam imputáveis, ou seja, que não sejam doentes mentais.

Para os doentes mentais que praticarem fatos delituosos, comprovada a doença em laudo psiquiátrico, ao invés de pena o juiz deve fixar uma medida de segurança, que pode ser um internamento ou um tratamento psiquiátrico, dependendo da gravidade da doença. Portanto, o internamento ou o tratamento ambulatorial independe do crime cometido, pois aqui não se trata de pena, mas sim de um tratamento psiquiátrico.

Bem por isso, não é possível confundir pena com medida de segurança. Sanção penal só pode ser aplicada aos que não sofram de doenças mentais, na época do fato delituoso. Embora alguns poucos penalistas queiram equiparar os dois institutos, nota-se que na visão da nova Parte Geral do atual Código Penal, a punição só pode ocorrer em relação àqueles que tinham conhecimento do crime que praticaram, é dizer, tinham plena consciência do ilícito penal cometido. Para os doentes mentais que comprovadamente violarem a lei penal, criaram-se os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, que aliás funcionam em péssimas condições físicas e humanas.

Adeildo Nunes, mestre e doutor em Direito, professor, advogado, juiz de Direito aposentado, autor de livros jurídicos

 

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